Cirurgia para Parkinson avança, mas esbarra na desinformação
Estimulação cerebral profunda poderia beneficiar até 40 mil brasileiros, mas ainda é pouco conhecida
O Brasil tem, hoje, cerca de 200 mil pessoas convivendo com a doença de Parkinson, de acordo com estimativas da Organização Mundial da Saúde. Ainda assim, a cirurgia de estimulação cerebral profunda, uma das intervenções mais avançadas para o tratamento da doença, é pouco procurada no país. O procedimento, que consiste na implantação de eletrodos em áreas específicas do cérebro para aliviar sintomas como tremores, rigidez e lentidão dos movimentos, poderia beneficiar entre 15% e 20% desse contingente. Isso significa algo entre 30 mil e 40 mil pessoas.
A baixa procura, no entanto, revela um abismo entre o que a ciência oferece e o que, de fato, chega aos pacientes. Especialistas apontam que o principal entrave é a desinformação. Para o neurocirurgião Ledismar Silva, responsável por diversos procedimentos do tipo, há uma demanda reprimida no Brasil. “Existe uma demanda alta reprimida de pacientes que poderia potencialmente se beneficiar com a cirurgia, mas que não chega para a gente. O desconhecimento tanto da população quanto da classe médica é o maior obstáculo. Por isso, é preciso divulgar como que funciona, quais são os riscos e quais os benefícios que isso vai trazer para o paciente”, destaca.
A técnica não é nova. Surgiu na década de 1980, na França, e passou a ser difundida no Brasil nos anos 1990. Apesar disso, o número de cirurgias realizadas anualmente ainda está muito aquém do necessário. Além da falta de informação, o acesso ao procedimento envolve outras barreiras, como a necessidade de centros especializados, infraestrutura tecnológica, equipes treinadas e seguimento pós-operatório adequado. Na rede pública, são os hospitais universitários os principais responsáveis por realizar esse tipo de cirurgia.
No Brasil, a cirurgia é realizada em diversos hospitais e clínicas, tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto no privado. A maioria das unidades de saúde que oferece o tratamento é formada por hospitais universitários. Em Goiânia, o procedimento é ofertado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás e também em algumas unidades da rede privada, a exemplo do Hospital Unique.
O procedimento é considerado seguro. Segundo Silva, as chances de complicações sérias não chegam a 1%. A cirurgia é feita com o paciente acordado e dura cerca de cinco horas. Durante o processo, eletrodos são inseridos no cérebro por meio de cálculos milimétricos feitos com auxílio de softwares. Esses eletrodos são conectados a um pequeno gerador de impulsos elétricos, implantado sob a pele, que funciona de forma contínua.
“A cirurgia é recomendada principalmente para pacientes com sintomas motores que não são mais bem controlados com medicação. Quando o uso de remédios se torna progressivamente ineficaz ou gera efeitos colaterais relevantes, o procedimento pode devolver funcionalidade ao paciente”, explica Silva. A indicação costuma ocorrer após cinco anos de tratamento clínico, desde que o paciente não apresente doenças psiquiátricas ou comprometimento cognitivo grave. Também é preciso avaliar se ele possui suporte social para o acompanhamento pós-operatório, que envolve ajustes no aparelho e reabilitação.
O impacto da estimulação cerebral profunda na qualidade de vida é significativo. Relatos clínicos e estudos indicam que os sintomas motores são reduzidos de forma considerável logo após a ativação do aparelho. Tremores, rigidez e lentidão de movimentos apresentam melhoras visíveis, permitindo que os pacientes recuperem parte da autonomia perdida ao longo dos anos. Em alguns casos, é possível inclusive reduzir a dose de medicamentos, diminuindo também seus efeitos adversos.
Apesar das evidências sobre a eficácia do tratamento, a percepção pública sobre a cirurgia ainda é limitada. A escassez de campanhas informativas e a ausência do tema na formação continuada de profissionais da saúde contribuem para o cenário de baixa demanda. Para Silva, esse silêncio custa caro. Enquanto a cirurgia não chega ao conhecimento de quem precisa, pessoas seguem vivendo com limitações evitáveis.
O desafio, portanto, é duplo. De um lado, ampliar a oferta do procedimento nos serviços públicos e privados. De outro, promover a conscientização entre pacientes, familiares e médicos para que a estimulação cerebral profunda deixe de ser uma possibilidade escondida no subsolo do sistema de saúde. A informação, neste caso, também é um tipo de terapia. Não cura, mas pode abrir caminho para uma vida com menos tremores e mais autonomia.