Anvisa aprova donanemabe no tratamento da doença de Alzheimer
Estudos indicam que o donanemabe reduz até 35% da progressão do Alzheimer em 76 semanas
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso do donanemabe, um medicamento inovador para o tratamento inicial da doença de Alzheimer. Esta terapia imunológica representa um avanço significativo ao reduzir os depósitos proteicos associados à progressão da enfermidade.
O Alzheimer, principal tipo de demência, responde por cerca de 70% dos casos mundialmente. No Brasil, a situação é alarmante: o Relatório Nacional sobre a Demência (RENADE), divulgado pelo Ministério da Saúde em setembro de 2024, revela que 80% dos pacientes não recebem diagnóstico, ficando sem o tratamento necessário.
O reconhecimento clínico da doença geralmente começa após o paciente ou seus familiares perceberem episódios frequentes de perda de memória e dificuldades cognitivas. A partir daí, exames específicos são aplicados para avaliar o grau de comprometimento das funções mentais e da autonomia nas atividades diárias.
Segundo o mesmo relatório, cerca de 8,5% dos brasileiros com 60 anos ou mais apresentam algum tipo de demência, o que equivale a cerca de 2,7 milhões de pessoas. Com o envelhecimento da população, especialistas alertam que esse número pode quase triplicar até 2050, intensificando a necessidade de tratamentos mais eficazes e acessíveis.
A doença provoca o declínio progressivo da memória, da linguagem, do comportamento e da capacidade funcional. Esse avanço está relacionado ao acúmulo anormal das proteínas tau e beta-amiloide no cérebro, que levam à morte dos neurônios e aceleram o quadro neurodegenerativo.
O donanemabe, anticorpo monoclonal recentemente aprovado, atua diretamente na remoção das placas de beta-amiloide, diferentemente dos medicamentos tradicionais como donepezila, rivastigmina e galantamina, que apenas aumentam a disponibilidade de acetilcolina para aliviar sintomas cognitivos. Segundo a neurologista Polyana Piza, gerente do programa de Neurologia do Hospital Israelita Albert Einstein, o novo medicamento representa um avanço ao tentar modificar a progressão da doença, não se limitando a tratar apenas os sintomas.
Estudos indicam que, após 76 semanas de tratamento, o donanemabe pode reduzir em até 35% a progressão do Alzheimer em pacientes nos estágios iniciais da doença. Contudo, especialistas ressaltam que o benefício é restrito a esses estágios, pois a remoção das placas amiloides não reverte danos já estabelecidos no cérebro.
Embora eficaz, o tratamento apresenta riscos, ainda que pouco frequentes, como o aumento da ocorrência de Anormalidades de Imagem Relacionadas à Amiloide (ARIA), que podem provocar hemorragias cerebrais, inchaços e, em casos graves, levar à morte. Nos testes clínicos, 1,6% dos pacientes tratados com donanemabe sofreram eventos graves relacionados à ARIA, com três óbitos registrados.
O risco de complicações é maior em pessoas portadoras do gene apolipoproteína E ε4 (ApoE ε4), um importante marcador genético para a doença localizado no cromossomo 19. No Brasil, o teste para identificar esse gene está disponível apenas em laboratórios privados. Estudos apontam que pacientes sem cópias do ApoE ε4 têm risco significativamente menor de efeitos colaterais graves, com uma taxa de 0,8% e apenas um óbito registrado.
Devido a esses riscos, a indicação do donanemabe exige uma avaliação rigorosa, incluindo testes genéticos para detectar o ApoE ε4 e exames de imagem, como o PET amiloide, que confirma o acúmulo das proteínas no cérebro. Além disso, o medicamento é contraindicado para pacientes que fazem uso de anticoagulantes, comum entre idosos, o que limita ainda mais a elegibilidade, conforme explica Piza.
Preocupações com a segurança levaram o Comitê de Medicamentos para Uso Humano (CHMP), da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), a rejeitar a autorização do donanemabe na Europa. Apesar de reconhecer sua eficácia na remoção das placas de beta-amiloide, a agência considerou que os benefícios clínicos são modestos e que os riscos superam as vantagens terapêuticas, inviabilizando a aprovação no continente.
Outro desafio para a adoção do medicamento no país é seu alto custo. Ainda sem preço definido no Brasil, o donanemabe não está disponível na rede privada nem no Sistema Único de Saúde (SUS). Especialistas apontam que, mesmo com a aprovação, o acesso à nova terapia pode ser dificultado pela questão financeira.