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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Decisão judicial

Justiça bloqueia verba da prefeitura para garantir home care a jovem

Decisão assegura o atendimento domiciliar a Thaís Medeiros após crise de saúde e descumprimento de ordens judiciais

Anna Salgadopor Anna Salgado em 30 de maio de 2025
Decisão assegura o atendimento domiciliar a Thaís Medeiros após crise de saúde e descumprimento de ordens judiciais
Foto: Adriana Silva Medeiros

A Justiça Federal, por meio da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Goiás, determinou o bloqueio de R$ 156.074,88 das contas do Município de Goiânia para assegurar o custeio por seis meses do serviço de atenção domiciliar contínua à jovem Thaís Medeiros de Oliveira, de 26 anos. Thaís foi vítima de encefalopatia hipóxico-isquêmica com tetraparesia espástica, sequela resultante de uma crise asmática grave, cuja provável causa, foi uma reação alérgica à pimenta.

A decisão judicial, assinada pelo juiz federal Jesus Crisóstomo de Almeida, ocorreu após múltiplas determinações judiciais descumpridas pelo Município e tentativas frustradas de conciliação. O bloqueio foi solicitado após o reconhecimento de que o serviço ofertado pela Prefeitura, classificado como Atenção Domiciliar Modalidade 2 (AD2), era incompatível com o quadro clínico grave da paciente, que demanda assistência profissional especializada e contínua  estrutura que, segundo os autos, sequer pode ser considerada home care.

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A jovem, cuja condição clínica requer cuidados ininterruptos e complexos, permanece em casa e em total dependência física e funcional, sob cuidados exclusivos de sua mãe e do padrasto, alimentando-se por gastrostomia e respirando com traqueostomia, em estado de total dependência. 

Thaís chegou a ser internada na Santa Casa de Anápolis e posteriormente no Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer), onde recebeu alta médica em julho de 2023, mas não teve continuidade assistencial adequada por parte do Sistema Único de Saúde (SUS).

Laudos médicos juntados ao processo atestam a complexidade do seu estado de saúde e recomendam atendimento domiciliar multiprofissional contínuo, inclusive com presença permanente de equipe qualificada. A decisão judicial não apenas impõe o custeio do tratamento, mas reforça que a dignidade humana deve prevalecer sobre entraves burocráticos e disputas entre entes federativos.

Na decisão que autoriza o bloqueio, o magistrado destaca que a “relevância do tratamento da parte autora deve transpor qualquer barreira burocrática administrativa” e que o reiterado descumprimento de ordens judiciais “gera o desprestígio do Poder Judiciário e ofende o Estado Democrático de Direito”. O juiz também reconhece que a medida é respaldada pelo art. 497, §5º do Código de Processo Civil, sendo autorizada para garantir a efetividade de ordens judiciais e a proteção de direitos fundamentais.

O valor bloqueado foi efetivado por meio do Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud), método de busca de ativos do Judiciário ligado ao Banco Central, e aguarda transferência para conta judicial e, posteriormente, à empresa responsável pelo atendimento, com prestação de contas mensal sob fiscalização do juízo.

 

Advogado da família critica proposta da Prefeitura: “Não se enquadra como home care”

Camilo Bueno Rodovalho, advogado da paciente, detalhou os argumentos utilizados no processo. Ele afirmou que foi demonstrado nos autos que a demora em garantir o atendimento adequado viola o direito constitucional à saúde e à família. “Não houve recusa ao serviço. O que a família não aceitou foi uma proposta que não se enquadra como home care, sem equipe multiprofissional 24 horas, e que não atende minimamente às necessidades da Thaís.”

Segundo o especialista, a resistência da Prefeitura foi constante ao longo do processo. “Eles alegaram que a família recusou atendimento, o que confundiu o juízo. Mas ficou claro, inclusive com vídeos e laudos, que o serviço oferecido era insuficiente e inferior até mesmo ao acompanhamento que ela já recebe semanalmente do Crer.”

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Rodovalho também explicou que o bloqueio de verbas públicas se deu por determinação do próprio Judiciário, e não cabe ao município recorrer nesse momento processual. “O juiz mandou bloquear e determinou a transferência dos valores, inclusive com parecer favorável do Ministério Público Federal, que já solicitou a juntada de novos orçamentos sem prejuízo da penhora.”

Sobre a atuação do poder público, o advogado afirmou: “Infelizmente, o Estado falha de forma sistemática na garantia do direito à saúde, o que faz com que situações como essa tenham que ser judicializadas. É um comportamento omissivo que, muitas vezes, só se resolve com a intervenção do Judiciário”.

Para ele, a decisão pode servir de precedente para outros casos semelhantes. “Embora seja uma decisão de 1º grau, ela reforça que os entes públicos têm o dever de cumprir com suas obrigações constitucionais. O STF já consolidou que, em casos de risco à vida e à saúde, não se pode alegar limitação orçamentária.”

Prefeitura defende serviço oferecido e critica decisão judicial

Em nota enviada ao jornal O HOJE, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia reafirmou que Thaís se enquadra na modalidade AD2, que prevê atendimento semanal por equipe multiprofissional com apoio eventual de outras especialidades. A pasta afirmou ter oferecido o serviço em conformidade com a política do SUS e alegou que a família se recusou a aceitar a assistência.

A SMS ressaltou que o papel do cuidador familiar é insubstituível e que o serviço de atenção domiciliar não tem como função substituir essa presença. Afirmou ainda que “deferir tratamento especial à parte autora de forma indefinida – em detrimento aos milhares de usuários do SUS – seria medida exacerbada e afronta aos princípios da isonomia e interesse público”.

Justiça classifica serviço como insuficiente e esporádico

O juízo, contudo, rejeitou a argumentação da Prefeitura com base nos documentos juntados pela defesa da paciente e nas provas técnicas apresentadas. A decisão judicial considerou o atendimento proposto pela administração municipal como “esporádico, insuficiente e, por vezes, inexistente”, e reconheceu que ele não atendia às determinações judiciais previamente estabelecidas.

Além disso, o Ministério Público Federal alertou que o município falhou em apresentar relatórios completos e em cumprir prazos para esclarecimentos solicitados, o que reforçou o entendimento de que a decisão judicial vinha sendo sistematicamente desrespeitada.

A ordem judicial inclui a transferência direta dos valores à empresa contratada para o atendimento, mediante apresentação de documentação comprobatória e com acompanhamento mensal por parte do juízo. Caso o município descumpra novamente as determinações, a decisão prevê aplicação de multas diárias e responsabilização pessoal do secretário municipal de Saúde, nos termos dos artigos 77 e 536 do CPC.

A medida representa uma resposta contundente do Poder Judiciário diante da inércia do poder público municipal. Ao autorizar o bloqueio de verbas públicas, o juiz reafirma que a saúde e a vida são direitos fundamentais, cuja garantia não pode ser postergada ou relativizada por argumentos administrativos. 

O caso de Thaís Medeiros expõe a fragilidade de pacientes em situação de extrema vulnerabilidade frente à omissão estatal, e reitera a necessidade de efetividade na proteção de direitos constitucionais básicos. (Especial para O Hoje)

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