Ataques de cães e acendem alerta sobre responsabilidade dos tutores
Especialista defende que agressividade não está ligada à raça, mas sim ao ambiente, manejo e comportamento do tutor
O comportamento canino é, muitas vezes, reflexo direto do ambiente em que o animal é criado. Contudo, nos últimos anos, casos de ataques violentos de cães contra humanos têm gerado preocupação crescente em Goiás. Entre 2024 e os primeiros meses de 2025, ao menos nove ataques atribuídos a cães da raça pit bull foram registrados em diferentes municípios goianos, como Rio Verde, Goianésia, Anápolis, São Simão, Catalão, Mineiros e Estrela do Norte. As ocorrências envolveram crianças, idosos e até outros animais, com vítimas gravemente feridas e, em alguns casos, mortas.
Um dos casos mais chocantes ocorreu em Itumbiara. Uma criança de 4 anos morreu após ser atacada por um pit bull enquanto tentava brincar com o animal durante a refeição. O cão pertencia ao locatário da residência, mas a responsabilização criminal recaiu sobre a mãe, que havia deixado os filhos sozinhos em casa para ir trabalhar. Ela foi presa por abandono de incapaz com resultado morte.
Outro caso grave foi registrado em Goiânia, no bairro Jardim América, onde um bebê de apenas 10 meses morreu após ser atacado por um pit bull da família, em maio de 2025. Apesar do rápido atendimento médico, a criança não resistiu aos ferimentos.
Em fevereiro de 2025, o filho do prefeito de Campos Belos, Caio Geovanni, de 7 anos, sofreu mordidas no rosto e nas mãos ao ser atacado por um cão da raça American Bully. O animal, adquirido já adulto, havia chegado recentemente à casa do companheiro da avó da criança. O menino precisou passar por cirurgia de reconstrução facial.
Esses casos são apenas alguns entre os muitos relatados em todo o país. Segundo levantamento do jornal O Globo, em 2023 houve um aumento de 33% no número de atendimentos a vítimas de ataques de cães no Brasil, totalizando 1.430 ocorrências. Ainda de acordo com o jornal, 53 pessoas morreram devido a ataques caninos apenas naquele ano. Apesar disso, não há dados públicos específicos sobre Goiás, o que dificulta uma análise mais aprofundada do cenário local.
Falta de adestramento, humanização excessiva e negligência
A médica-veterinária e especialista em comportamento animal, Gabriella Canedo explica que o período entre o primeiro e o quarto mês de vida é essencial para a socialização dos filhotes. Quando não são expostos a diferentes pessoas, sons, ambientes e outros animais, os cães tendem a desenvolver medo e reatividade que, com o tempo, podem se transformar em comportamentos perigosos.
Outro fator preocupante, segundo a especialista, é o uso de punição como forma de repreensão. “Bater, gritar, isolar ou ameaçar o animal cria um ambiente hostil. Isso não educa, apenas gera medo, estresse e reatividade. Um cão reativo é imprevisível e pode atacar como forma de defesa”, alerta.
Gabriella também critica a humanização excessiva dos animais, que podem desenvolver ansiedade de separação, agressividade ou outros distúrbios comportamentais. “O tutor precisa impor limites, respeitar a natureza do animal e oferecer estímulos físicos e mentais adequados”.
Manter um cão de médio ou grande porte sem socialização ou adestramento é, na visão da especialista, um ato de negligência. Isso porque, com o aumento dos riscos de acidentes, também cresce a responsabilização legal do tutor.
Leis, tutores e limites: o que pode evitar novos ataques de cães
Em meio às preocupações, algumas leis tentam prevenir tragédias. Goiás possui legislação estadual e municipal que exige o uso de coleira, guia curta e focinheira em cães considerados perigosos ou com comportamento agressivo, como pit bulls, rottweilers, mastim napolitanos e american staffordshire terriers.
A Lei Complementar nº 108/2002, em Goiânia, determina que cães de médio e grande porte usem focinheira e plaqueta de identificação. A Lei Estadual nº 11.531/2003 também estabelece regras para a condução responsável de cães. Há ainda projetos de lei em tramitação para ampliar essas exigências em todo o estado.
A legislação vigente prevê multas de até R$ 5.531,00 em caso de ferimentos causados por animais em espaços públicos. Em situações mais graves, com vítimas fatais, tutores podem ser indiciados por homicídio culposo ou omissão de cautela na guarda de animal perigoso.
A especialista destaca que “nenhum cão nasce agressivo, mas o ambiente, a socialização inadequada, a falta de adestramento e os maus-tratos são fatores que, combinados, aumentam significativamente os riscos de agressividade”.
Além de ressaltar que é dever do tutor conhecer as características da raça escolhida e garantir bem-estar, saúde, socialização, adestramento e ambiente adequado. Quando um animal ataca terceiros ou o próprio tutor, é possível que ele responda legalmente.
Sobre o grande número de casos envolvendo pit bulls, Gabriella afirma que a raça não é geneticamente agressiva, mas tem um histórico de seleção para brigas, o que resultou em uma estrutura física potente. “Eles são extremamente carinhosos quando bem tratados, mas exigem manejo adequado, socialização precoce, gasto de energia e um tutor presente”, pontua.
Casos de ataques dentro da própria casa, segundo a veterinária, são reflexo de falhas no convívio, falta de leitura dos sinais comportamentais e um ambiente inadequado. Para evitar esses acidentes, é essencial que os tutores compreendam que criar um cão vai muito além de dar comida e água. É um compromisso com a segurança, o bem-estar e a vida das pessoas e do próprio animal.
Além da legislação e da responsabilidade direta dos tutores, especialistas também defendem políticas públicas de conscientização sobre posse responsável. Iniciativas como campanhas educativas, incentivo ao adestramento e programas de castração podem ajudar a reduzir os riscos de agressividade canina e os impactos de ataques a pessoas.
Criar um animal de estimação com responsabilidade é uma decisão que deve levar em conta não apenas o desejo de ter companhia, mas também o compromisso com o bem-estar de todos ao redor.