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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
OPINIÃO

MP e TCE devem estar de olhos bem abertos com a Assembleia

A Casa do Povo, como a sede do Legislativo sempre se autodenominou, não pode se transformar em suntuoso valhacouto de desvios

Redaçãopor Redação em 30 de julho de 2025
MP e TCE devem estar de olhos bem abertos com a Assembleia Foto: Carlos Costa/Alego
MP e TCE devem estar de olhos bem abertos com a Assembleia Foto: Carlos Costa/Alego

Nilson Gomes-Carneiro

O artigo 11 da Constituição do Estado de Goiás tem 30 incisos e oito parágrafos de piqueniques exclusivos da Assembleia Legislativa. Dá terras públicas. Solicita intervenção federal e ela mesma a aprova em município. Processa o governador, seu vice e os secretários por crime de responsabilidade. Paralisa processo contra deputados. Escolhe oito conselheiros de contas, quatro do TCM, quatro do TCE, cujos balanços são por ela julgados. Destitui o procurador-Geral de Justiça. É um poder muito grande, mas essas duas últimas concessões tornam a Casa do Povo, como a Alego é chamada nos discursos de seus integrantes, uma fortaleza inexpugnável, ninguém consegue invadi-la.


Se os deputados têm condição de até tirar o chefe do Ministério Público, se sentem com um vigor rejuvenescido para a invasão diária das margens da lei. Óbvio que os promotores e os procuradores de justiça não tremem diante dos parlamentares, tampouco são vistos a fustigá-los (leia texto nesta página). Em resumo, os três órgãos são obrigados a justificar o R$ 1 bilhão e duzentos milhões que a população paga para sustentar o MP, o R$ 1 bilhão que gasta com a Assembleia e, pelo Balanço Geral de 2024, os R$ 212 milhões e 183 mil que o Tribunal de Contas do Estado custou.

Do atual quadro do TCE, cinco conselheiros foram deputados estaduais Sebastião Tejota, Helder Valin, Carla Santillo e o presidente Kennedy Trindade, todos indicados pelo ex-governador Marconi Perillo, que também levou para lá Edson Ferrari, seu secretário nos tempos de deputado e chefe do Executivo. Sabem escorregar, desdizer, não é bem isso nem aquilo, veja só, nada a ver, cumpro meus deveres. Os demais são técnicos. Se há tapete a ser levantado, esses com o inseticida na mão precisam borrifá-lo, pois nos últimos tempos a Assembleia mudou muito, até de endereço. Infelizmente, não para melhor.

Basta ler a cobertura oficial de seus trabalhos. Em consequência, diversos projetos e até leis são invalidados por inconstitucionalidades. Criou a Lei Delegada. Instituiu os boinas azuis. Sua equipe, com alguns integrantes de altíssimo nível técnico, nada tem a ver com a qualidade do que os chefes assinam – eles mandam, ela obedece.

Serviço de comissionado é arrumar cestas básicas ou cuidar de doente

Certamente, não foi um servidor público concursado do Legislativo o autor da ideia de fazer do poder uma espécie de puxadinho do Hugo e do Hugol. Os serviços de saúde na Grande Goiânia estão atulhados de pedidos dos parlamentares.

Praticamente todos os gabinetes têm um serviço social e outro de atendimento a doentes. Isso não guarda verossimilhança com as atribuições dos deputados. Eles teriam que fiscalizar e legislar. Não se dedicam a uma coisa nem outra, pois não renderiam voto. Os times levados à Assembleia pelos políticos que a integram têm sobretudo ex-deputados et caterva, ex-prefeitos, familiares de prefeitos, ex-vereadores, líderes comunitários, pessoas que ajudaram na campanha, inclusive financeiramente.

Os comissionados pouco instruídos não incorrem em culpa pelo cargo ocupado nem da função atribuída. Fazem o que são mandados a executar. Se o chefe oferece oportunidade de estudar, eles aprendem. Se mandam um engenheiro virar babá de vereador, ele vai. Se ordenam a um advogado que vá preencher ficha em evento, ele cumpre. Se disser para uma professora levar paciente à Santa Casa ou arrumar cesta básica, seu nome é pronta. Quem deveria ter vergonha da falta de qualificação seria o deputado. Mas vergonha para essa turma é outra coisa, tratada na carta de Pero Vaz de Caminha.

Promotores têm a chance de moralizar a Alego

A previsão constitucional de a Assembleia destituir o procurador-Geral de Justiça é quase fictícia, de tão rara. Primeiro porque o PGJ não tem dado motivo para sofrer semelhante constrangimento. Segundo porque parlamentar investigando, com a independência de que dispõe, costuma ser de uma ineficácia atroz. Mais fácil é o integrante do Ministério Público chegar ao deputado e suas malfeitorias.

Nunca antes (nem depois) na história de Goiás um deputado foi cassado por motivos alheios às eleições. O mais recente, Fred Rodrigues, perdeu o mandato por filigranas de prestação de conta. Não há caso de cassação pelos motivos abordados nesta página, o desvio de finalidade da função, o baixíssimo patamar cultural e outras qualidades (ou falta de).

Político é absolutamente incapaz para averiguar erro alheio, porém os promotores, que estão na base e também cumprem o papel do Ministério Público Federal nas eleições, alcançam desempenho no mínimo razoável, na média muito bom. Conseguem sem muito esforço destrinchar os prejuízos aos cofres públicos quando a comitiva da Assembleia chega ao município com centenas de cabos eleitorais disfarçados de assessores, ganhando diárias e gastando com refeições, locações e hospedagens.

A farra com dinheiro público é sempre inaceitável e quando ocorre desvio no todo fica impossível de a autoridade não se mover. A Assembleia vai às cidades e volta sem sequer uma proposta de lei, mas com distribuição de receitas médicas, remédios, cadeira de rodas, consultas, cirurgias, alimentação. Cabe ao promotor de justiça enquadrar a moçada, a começar da que tem mandato.

Moralizar um poder é bem mais difícil que corrompê-lo. No entanto, o Ministério Público é detentor de condição para parceria com a sociedade nessa tarefa. Todo mundo na cidade sabe que aquele ex-prefeito nomeado na Assembleia está a semana inteira na fazenda e quando vai a Goiânia é para comprar peça de trator, nunca para trabalhar. Que tal o promotor levá-lo ao MP da cidade? Assim vale para a ex-primeira-dama, cujas bolsas caras são adquiridas com o rendimento da Assembleia sem ter se esforçado em missão alguma.

A lista dos bens do Legislativo precisa igualmente estar ao alcance das vistas para o promotor saber que aquele carro estacionado na porta da choperia saiu de Goiânia direto para a cidade do interior por conta da Assembleia. A oportunidade de moralização surge também com as visitas dos políticos para os conchavos. O prefeito não mudou de deputado porque achava feio o anterior – se trocou de base foi porque teve dinheiro na história. A aplicação das verbas é mais uma miragem para os olhos atentos dos promotores: medir a espessura do asfalto, a construção da creche, enfim, cuidar do que fazem com o suor do contribuinte.

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