Aleitamento materno salva 6 milhões de vidas por ano, mas ainda enfrenta desinformação
Pediatra alerta que amamentar é mais do que um gesto de cuidado: é um fator decisivo na sobrevivência infantil e exige informação e apoio profissional
A amamentação salva vidas, mas ainda está cercada por mitos que dificultam sua prática. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de seis milhões de crianças são salvas todos os anos graças ao aumento das taxas de amamentação exclusiva até o sexto mês de vida. Apesar disso, informações equivocadas persistem e, muitas vezes, fragilizam o vínculo entre mãe e bebê nos primeiros meses.
A meta global da OMS é que em 2030, pelo menos 70% dos bebês com menos de seis meses devem ser alimentados exclusivamente com leite materno. No Brasil, embora as taxas tenham melhorado nas últimas décadas, ainda há entraves culturais, sociais e práticos. É nesse contexto que o Agosto Dourado ganha força como campanha de conscientização, adotando a cor símbolo do que a medicina chama de “padrão ouro” da nutrição infantil.
“O objetivo do Agosto Dourado é incentivar e, consequentemente, estimular o aleitamento materno. O dourado vem do que a gente chama de padrão ouro para alimentação do bebê na primeira infância, especialmente no primeiro ano de vida dele, que é o aleitamento materno e no seio materno. Por isso que essa campanha é tão importante, faz muita diferença tanto para a saúde materna quanto para a saúde do bebê”, afirma a pediatra Stephania Laudares.
O apoio à mãe desde a gestação é um dos fatores decisivos para o sucesso da amamentação. Mais do que uma escolha individual, o aleitamento é uma prática que depende de informação, estrutura de saúde e, sobretudo, acolhimento. “Quando ela sabe da importância do aleitamento materno, dos benefícios para a saúde dela e do seu filho, isso aumenta o engajamento da mãe e a determinação para conseguir amamentar. Sem contar que se ela tiver conhecimento das formas de amamentação, ou seja, posição que ela pode amamentar, pega adequada, como saber se esse bebê está mamando corretamente ou não, isso faz completa diferença. É importante que ela mantenha um contato próximo com o obstetra e seja orientada com relação ao aleitamento materno ainda gestante”.
Na hora do nascimento, cada minuto conta. Segundo a especialista, a chamada “hora de ouro” — a amamentação iniciada logo após o parto — pode ser determinante para a continuidade do aleitamento. “Na maternidade um recurso que faz muita diferença para manutenção do aleitamento materno é amamentar logo após o nascimento do bebê, a gente chama isso de hora de ouro ou golden hour, na primeira hora do nascimento. Depois disso é contar com o apoio, incentivo, orientações e as correções adequadas do pediatra que assiste esse bebê. Existem hoje profissionais especialistas também para apoiar e estimular o aleitamento materno, que são as chamadas consultoras de amamentação, que ajudam, incentivam e corrigem o aleitamento materno, se necessário”.
Ao longo das gerações, muitos conselhos populares se cristalizaram como verdades absolutas. Mas nem todos resistem à análise científica. Segundo Stephania, a alimentação da mãe, por exemplo, costuma ser apontada como causa de cólicas no bebê, uma relação que não se confirma. “Na maioria das vezes, o que é falado popularmente é que o bebê pode ter cólica, a depender do que a mãe come. A gente não tem nenhum estudo científico, nenhum trabalho que evidencie ou que comprove essa questão. Pelo contrário, a mulher que amamenta, ela precisa de uma dieta qualitativamente e quantitativamente adequada, ela precisa de uma alimentação repleta de comida de verdade, com poucos ultraprocessados e mais alimentos saudáveis”. Apenas em casos específicos de alergia à proteína do leite de vaca há necessidade de restrição alimentar.
Outro ponto de confusão frequente é sobre a produção do leite materno e sua suposta fraqueza. A médica contesta essa noção: “Não existe leite fraco e o leite não vai ficando fraco. O leite materno, ele muda a sua composição ao longo do dia e também ao longo da fase da lactação. Essa composição é sempre formada e produzida de acordo com a necessidade que o bebê tem. De forma alguma, esse leite se torna fraco em algum momento”.
Também é comum a recomendação de desmamar o bebê para garantir noites de sono mais longas. Mas a especialista alerta que o sono infantil envolve múltiplas variáveis. “O sono não depende especialmente só da amamentação. Existem várias associações de sono, a gente tem várias causas para o bebê dormir ou não a noite toda. E pode acontecer, por exemplo, de fazer o desmame noturno e ainda assim esse bebê não dormir a noite toda”.
Já a ideia de que é preciso desmamar para o bebê aprender a comer também é refutada por ela. “Via de regra a gente começa a introdução alimentar aos seis meses, se houver todos os sinais de prontidão e isso é avaliado na consulta pediátrica, mas o leite materno ainda é o principal alimento da criança até o seu primeiro ano de vida. E ele pode continuar sendo ofertado, inclusive, depois disso. Então, de forma alguma, a gente desmama o bebê quando começa a introdução alimentar ou nos seus primeiros meses”.
Sobre o consumo de álcool durante o período de amamentação, a recomendação é evitar. No entanto, caso a ingestão ocorra, é necessário um intervalo mínimo. “O ideal é que a mãe que amamenta não consuma bebida alcoólica de forma alguma. Porém, se há uma necessidade ou é uma opção dessa mulher fazer o uso da bebida alcoólica, precisa sim aguardar para poder amamentar. Não existe uma fórmula mágica ou uma forma correta da gente esperar, porque cada mulher metaboliza o álcool de forma diferente. O que a gente orienta em geral é que depois do consumo de uma dose de bebida, por exemplo, uma taça de vinho, essa mulher aguarde pelo menos duas a três horas para poder amamentar seu bebê”.
A cada ano, as campanhas de incentivo à amamentação tentam romper com o desconhecimento e os estigmas. Ainda que a ciência esteja consolidada, o aleitamento materno continua exigindo da sociedade tempo, empatia e compromisso coletivo com a vida que começa.