Amnésia infantil: por que ninguém se lembra dos primeiros anos de vida
A amnésia infantil é compreendida como parte natural do processo de desenvolvimento neurológico e psicológico
A ausência de lembranças da primeira infância é uma característica comum entre todos os seres humanos. Conhecido como amnésia infantil, esse fenômeno intriga pais, educadores e especialistas em neurodesenvolvimento. Embora muitas famílias colecionem fotos e vídeos dos primeiros passos e sorrisos dos bebês, a memória consciente dessas vivências é praticamente inexistente na fase adulta.
De acordo com neurocientistas, há múltiplas explicações para essa lacuna nas lembranças, que vão desde o estágio de desenvolvimento cerebral até questões ligadas à formação da identidade e mecanismos de proteção emocional.
Nos primeiros anos de vida, o cérebro humano passa por um processo intenso de formação. Uma das estruturas fundamentais para a memória, o hipocampo, ainda está em desenvolvimento nos bebês, o que limita a capacidade de armazenar informações de forma duradoura e acessível. Mesmo quando a criança vivencia algo marcante, o sistema neurológico ainda não está plenamente preparado para registrar esse episódio com nitidez.
Além disso, durante essa fase, os neurônios estão altamente ativos em tarefas como o aprendizado de habilidades motoras, a aquisição da linguagem e a socialização. Isso faz com que o cérebro priorize o desenvolvimento funcional em detrimento do registro consciente de memórias.
Outro fator importante é o processo de construção da identidade. Até aproximadamente os três anos, a criança ainda não possui uma percepção consolidada de si mesma como um indivíduo distinto dos outros. Especialmente no primeiro ano de vida, o bebê tende a se perceber como uma extensão da mãe ou do cuidador principal. Essa imaturidade da autoconsciência dificulta a organização das experiências em lembranças estruturadas, o que pode explicar por que as memórias só começam a surgir a partir do momento em que a criança domina a linguagem e consegue se referir a si mesma com o pronome “eu”.
Especialistas também destacam que o tipo de memória predominante na primeira infância difere daquela da vida adulta. Nos primeiros anos, prevalece a chamada memória implícita, mais associada a hábitos e emoções do que a fatos objetivos. Já a memória episódica, responsável por lembrar de eventos específicos, como uma festa de aniversário ou um passeio, ainda está em processo de formação.
Embora não haja recordações claras dessa fase inicial da vida, as experiências vividas podem permanecer registradas no inconsciente, influenciando comportamentos e sentimentos ao longo da vida. Emoções intensas vivenciadas na infância, inclusive, podem ser reprimidas como mecanismo de proteção psíquica, impedindo o acesso consciente a determinadas memórias. Isso não significa que essas experiências tenham sido apagadas, mas sim que foram armazenadas de forma inacessível.
Estudos indicam que, em geral, as primeiras lembranças conscientes começam a surgir entre os três e quatro anos de idade, período em que o hipocampo já apresenta maior maturidade, a linguagem está mais consolidada e a noção de identidade se fortalece. Ainda assim, memórias dessa fase podem se dissipar com o tempo, sobretudo se não forem reforçadas por estímulos externos, como imagens, vídeos ou conversas.
A amnésia infantil é compreendida como parte natural do processo de desenvolvimento neurológico e psicológico. Embora as lembranças não estejam acessíveis, o ambiente vivido nos primeiros anos, especialmente se for seguro, afetuoso e estimulante, desempenha papel essencial na formação emocional e cognitiva que acompanhará o indivíduo por toda a vida.