O Hoje, O Melhor Conteúdo Online e Impresso, Notícias, Goiânia, Goiás Brasil e do Mundo - Skip to main content

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
mês dos pais

Nome na certidão, ausência na vida

Mesmo com avanços no reconhecimento civil, ausência paterna permanece como realidade cotidiana para milhares de crianças brasileiras

Luana Avelarpor Luana Avelar em 4 de agosto de 2025
13 MATERIA CREDITOS FT 1 Divulgacao
Foto: Divulgação

O nome do pai pode constar na certidão de nascimento, mas, para milhares de crianças brasileiras, essa presença documental não se traduz em responsabilidade concreta. Ele não comparece à escola, ao posto de saúde, tampouco às reuniões familiares. Em muitos casos, o nome sequer existe no registro. Em 2023, mais de 172 mil crianças foram registradas apenas com o nome da mãe, segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). O número equivale a 6,9% dos nascimentos no país. Desde 2016, mais de 1,2 milhão de recém-nascidos foram registrados sem qualquer identificação paterna.

Em Goiás, a ausência formal revela a extensão do problema. Entre janeiro e maio de 2025, 2.190 crianças nasceram sem o nome do pai na certidão de nascimento, conforme o Portal da Transparência do Registro Civil. Nos últimos cinco anos, o estado soma mais de 42 mil registros exclusivamente maternos. Em nível nacional, esse número ultrapassa 65 mil desde 2020. Para Bruno Quintiliano, conselheiro da Arpen-GO e vice-presidente da Arpen Brasil, “o registro civil é a porta de entrada para a cidadania. Ter o nome do pai ali não é apenas um direito da criança, é também uma forma de garantir vínculos afetivos e responsabilidades legais que impactam diretamente no desenvolvimento pessoal e social do indivíduo”, afirma.

Apesar de avanços legislativos e procedimentos facilitados, os dados indicam que as ferramentas disponíveis não têm sido suficientes. “Temos as ferramentas, os procedimentos e a vontade de resolver essas lacunas. Mas é preciso sensibilizar a sociedade, promover campanhas e mostrar que não se trata apenas de um nome no papel, mas de dignidade e pertencimento”, completa Quintiliano.

Cotidiano sem pai

A legislação brasileira garante à criança o direito à convivência familiar e à assistência moral e material por parte de ambos os pais. O Estatuto da Criança e do Adolescente define o poder familiar como compartilhado e intransferível. Ainda assim, o abandono parental raramente é punido com o mesmo rigor de outras formas de negligência. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o programa Pai Presente, que permite o reconhecimento formal da paternidade, inclusive com testes de DNA gratuitos. Apesar da criação de uma política pública específica, os efeitos concretos ainda são limitados. O reconhecimento judicial não assegura, por si só, a participação ativa na vida da criança.

Segundo o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), filhos sem vínculo paterno estão mais suscetíveis à evasão escolar, dificuldades cognitivas, instabilidade emocional e maior vulnerabilidade social. Um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, revelou que mesmo pais formalmente registrados e presentes fisicamente mantêm um envolvimento superficial com os filhos. A figura do pai, em grande parte dos casos, permanece associada à noção de provedor distante, e não à de cuidador cotidiano.

Entre a formalização e o afeto

A ausência de vínculo biológico não impede o reconhecimento de uma relação parental. Os cartórios brasileiros passaram a registrar também as chamadas filiações socioafetivas, em que o vínculo se estabelece pela convivência e pelo cuidado. “Hoje, o reconhecimento socioafetivo é respaldado por lei e pode ser realizado extrajudicialmente, diretamente nos cartórios, desde que haja concordância de ambas as partes. É um importante passo para reconhecer famílias reais, que existem na prática do cotidiano”, afirma Quintiliano.

O procedimento é regulamentado pelo Provimento nº 63/2017 do CNJ. Para reconhecer espontaneamente a paternidade biológica, o pai deve comparecer ao cartório com documento oficial e a certidão de nascimento da criança. A mãe pode participar ou autorizar por escrito. No caso de vínculos socioafetivos, é necessário apresentar documentos e testemunhos que comprovem a convivência. Ambas as partes devem expressar formalmente o consentimento.

No dia 16 de agosto, a Defensoria Pública do Estado de Goiás realiza o mutirão “Meu Pai Tem Nome”, com atendimentos presenciais e virtuais. A campanha busca ampliar o acesso ao reconhecimento de paternidade ou maternidade, inclusive em casos em que o genitor já faleceu. “Nosso desejo é que haja tempo hábil para que os interessados apresentem os documentos solicitados e que possamos dar os encaminhamentos necessários. Queremos que o Dia D possa ser um momento de celebração dessas famílias”, afirma Bruno Malta, defensor público e coordenador estadual da iniciativa.

O mutirão acontece em oito cidades goianas, entre elas Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis. O reconhecimento formal garante também o acesso a pensão alimentícia, inclusão em planos de saúde, direitos sucessórios e benefícios assistenciais. “Trata-se de um movimento nacional de valorização da identidade e da dignidade humana. O mutirão simboliza um gesto de acolhimento e reconstrução de histórias. Ter um pai reconhecido não é apenas um dado civil, é um pedaço essencial da trajetória de qualquer pessoa”, conclui Quintiliano.

Mas a persistência da omissão paterna exige mais do que procedimentos jurídicos ou ações pontuais. Exige a revisão de um modelo cultural e institucional que, historicamente, permitiu que homens fossem pais apenas no pape. A cada dia, milhares de mães seguem sozinhas, não por escolha, mas por abandono. Os filhos crescem com lacunas emocionais que não deveriam existir. O país segue empurrando o futuro para os braços exaustos de mulheres que não conseguem descansar. E os pais, com nome na certidão ou sem ele, continuam ausentes no que mais importa: o cotidiano.

Siga o Canal do Jornal O Hoje e receba as principais notícias do dia direto no seu WhatsApp! Canal do Jornal O Hoje.
Tags:
Veja também