Retirar o glúten da dieta ganha aderência, mas exige atenção aos riscos e à doença celíaca
Ambas as condições, doença celíaca e intolerância ao glúten, podem se manifestar de forma diversa entre os pacientes
Cada vez mais pessoas optam por excluir o glúten da alimentação. Essa escolha implica retirar alimentos comuns do dia a dia, como pães, massas e macarrão instantâneo, que contêm essa proteína presente principalmente no trigo, na cevada e no centeio. Embora a exclusão do glúten tenha ganhado força nos últimos anos, nem todos os adeptos da dieta possuem um diagnóstico clínico.
Especialistas alertam que sintomas como náuseas, inchaço e dores abdominais após o consumo de glúten podem ser indicativos de intolerância ou até mesmo da doença celíaca, uma condição autoimune crônica. Apesar de compartilharem sinais semelhantes, as duas condições têm implicações diferentes para a saúde: enquanto a intolerância provoca desconfortos digestivos, a doença celíaca pode causar danos estruturais ao intestino delgado e levar à desnutrição, caso não seja tratada corretamente.
Estima-se que cerca de dois milhões de brasileiros convivam com a doença celíaca. Na Austrália, a condição afeta uma em cada 70 pessoas, embora apenas cerca de 20 por cento desse grupo tenha recebido diagnóstico. A doença ocorre quando o sistema imunológico, ao identificar o glúten como uma ameaça, ataca equivocadamente as vilosidades intestinais, estruturas responsáveis pela absorção de nutrientes. Esse processo inflamatório compromete a digestão e, com o tempo, pode gerar deficiências nutricionais importantes.
Os efeitos da ingestão de glúten em pacientes celíacos vão além dos sintomas gastrointestinais, como diarreia, gases, náuseas e dores abdominais. Em muitos casos, surgem manifestações extraintestinais, como fadiga crônica, dores articulares, confusão mental, enxaquecas e erupções cutâneas do tipo dermatite herpetiforme, caracterizada por bolhas e coceira intensa.
As consequências de longo prazo da doença celíaca não tratada são graves: além da má absorção de nutrientes, há risco de perda de densidade óssea, infertilidade, anemia persistente e até complicações neurológicas, como epilepsia e demência. Por isso, o diagnóstico correto é essencial.
Para confirmar a presença da doença celíaca, é importante que o paciente ainda esteja consumindo alimentos com glúten, o que permite observar como o organismo reage à proteína. O processo diagnóstico inclui exames de sangue em busca de antígenos específicos, marcadores de resposta imune ao glúten, além de biópsias realizadas no intestino delgado por meio de endoscopia.
Em alguns casos, os médicos recorrem à endoscopia por cápsula, uma tecnologia em que o paciente engole uma pequena câmera encapsulada que registra imagens detalhadas do trato intestinal, possibilitando a identificação de lesões nas vilosidades.
Intolerância
A busca por uma alimentação mais saudável tem levado muitas pessoas a adotar dietas sem glúten, frequentemente sem orientação profissional. Entre os que relatam desconfortos após o consumo de alimentos com trigo, centeio ou cevada, estão tanto pacientes com doença celíaca quanto indivíduos com intolerância ao glúten, também chamada de sensibilidade ao glúten não celíaca. Embora os sintomas entre os dois grupos possam ser semelhantes, as causas e consequências clínicas são bastante diferentes.
No caso da intolerância, não há resposta autoimune nem danos ao intestino delgado, como ocorre na doença celíaca. Ainda assim, os sintomas, que incluem inchaço, dores abdominais, diarreia, constipação, fadiga e dores de cabeça, podem afetar significativamente a qualidade de vida. Estimativas indicam que cerca de 1% da população australiana vive com intolerância ao glúten, mas apenas 12 em cada 100 pessoas desse grupo são diagnosticadas formalmente por um médico.
Segundo especialistas, o diagnóstico da intolerância é feito por exclusão. Primeiramente, médicos descartam a presença da doença celíaca e de alergias ao trigo, por meio de exames laboratoriais e testes clínicos. Somente após essa etapa é que pode ser indicada uma dieta livre de glúten, acompanhada por nutricionistas, com o objetivo de observar se há melhora dos sintomas.
Entretanto, a confirmação definitiva da intolerância ao glúten requer um estudo clínico complexo, baseado em testes duplo-cego com placebo, ao longo de pelo menos oito semanas. Por ser um procedimento caro, longo e de difícil execução, a maioria dos pacientes não passa por esse processo e opta, por conta própria, por excluir o glúten da alimentação.
No entanto, essa decisão pode ter consequências. Os grãos que contêm glúten são fontes naturais de fibras, ferro, folato e vitaminas do complexo B. A retirada desses alimentos da dieta, sem reposição adequada, pode causar deficiências nutricionais. Além disso, muitos produtos industrializados sem glúten apresentam maior teor de açúcar, gordura e sódio, utilizados para compensar mudanças de textura e sabor. Por isso, especialistas recomendam cautela: antes de iniciar qualquer dieta restritiva, é essencial consultar um profissional de saúde.
A diferença entre intolerância e doença celíaca também está na gravidade da reação. Enquanto pessoas com sensibilidade podem sofrer desconfortos temporários, indivíduos diagnosticados com a forma autoimune da doença precisam manter uma dieta livre de glúten durante toda a vida. Para os celíacos, até mesmo traços mínimos da proteína, como aqueles transferidos por utensílios contaminados, podem provocar danos ao intestino delgado.
De acordo com estudos recentes, a ingestão de apenas 50 miligramas de glúten por dia, o equivalente a cerca de 1% de uma fatia de pão integral, já é suficiente para causar lesões intestinais em quem tem doença celíaca. Essa alta sensibilidade exige atenção redobrada com a contaminação cruzada, mesmo em casa, ao preparar alimentos ou utilizar equipamentos compartilhados como facas, tábuas e torradeiras.
Ambas as condições, doença celíaca e intolerância ao glúten, podem se manifestar de forma diversa entre os pacientes. A intensidade dos sintomas varia conforme o grau de sensibilidade individual, o que torna ainda mais importante a avaliação médica. Embora seja comum buscar alívio imediato ao retirar o glúten da dieta, o autodiagnóstico pode atrasar a identificação de problemas mais sérios e comprometer a ingestão adequada de nutrientes.
Por isso, ao notar sintomas persistentes após o consumo de alimentos com glúten, a recomendação é procurar um médico. Apenas por meio de testes específicos será possível confirmar ou descartar a doença celíaca e alergias, além de receber a orientação correta para uma alimentação segura e equilibrada. Evitar glúten sem necessidade pode, em alguns casos, fazer mais mal do que bem.