Ciência aponta caminhos para eliminar a transmissão do HIV de mãe para filho
Meta de erradicação, antes vista como utopia, ganha respaldo com evidências que associam diagnóstico precoce e tratamento eficaz a risco zero de infecção em recém-nascidos
A transmissão do HIV da mãe para o bebê, seja durante a gestação, no parto ou pela amamentação, foi durante anos uma das faces mais desafiadoras da epidemia. Nos primeiros tempos da aids, o risco ultrapassava 40%, deixando recém-nascidos expostos sem alternativas de prevenção. A mudança começou em 1994, quando o estudo ACTG 076, publicado no The New England Journal of Medicine, mostrou que o uso do antirretroviral AZT durante a gravidez reduzia de 25% para 8% a taxa de infecção.
Desde então, o avanço das terapias combinadas transformou o controle da transmissão materno-fetal em objetivo global. Em 2011, a Organização Mundial da Saúde lançou a “Getting Zero Strategy”, projetando a eliminação do problema até 2015. Apesar de quedas expressivas nos índices, o progresso estagnou. Em 2023, cerca de 120 mil crianças menores de 14 anos viviam com o HIV. Entre os principais entraves estão o diagnóstico tardio, a falta de adesão ao tratamento e a persistência de esquemas terapêuticos ineficazes em determinadas regiões.
Uma metanálise recente, publicada na The Lancet por Dugdale Caitlin e colaboradores, reuniu dados de 80 mil pares de mãe e filho em 44 países e confirmou que o controle da carga viral é determinante. Quando a mãe iniciava o tratamento antes da concepção e mantinha carga viral abaixo de 50 cópias/mL no parto, o risco de transmissão foi zero. Mesmo entre tratadas com até 100 cópias/mL, a taxa não passou de 1,3%. No extremo oposto, mães sem tratamento e com mais de 1.000 cópias/mL transmitiram o vírus em 12,7% dos casos.
O tipo de parto mostrou pouca influência quando a carga viral era indetectável, mas, acima desse limite, a probabilidade de infecção subia proporcionalmente. Quanto ao aleitamento, a OMS recomenda substituição por fórmulas quando possível; caso contrário, o uso de antirretrovirais para mãe e bebê reduz o risco.
O estudo reforça que a erradicação da transmissão vertical do HIV depende de estratégias já conhecidas: diagnóstico precoce, início imediato do tratamento e acompanhamento contínuo. Com acesso universal a exames e medicamentos, política garantida no Brasil, mas distante da realidade em muitos países, a eliminação da infecção materno-fetal deixa de ser um ideal distante para tornar-se meta alcançável.