Dia Nacional da Educação Infantil expõe desafios da inclusão de crianças autistas
Mais de 1,7 milhão de crianças com deficiência estão na educação básica, mas 26% ainda estão fora da escola
Nesta segunda-feira (25), o Brasil celebra o Dia Nacional da Educação Infantil, instituído em homenagem à educadora Zilda Arns. A data reforça a importância da primeira infância no processo de desenvolvimento e aprendizagem, além de abrir espaço para refletir sobre os desafios que ainda precisam ser enfrentados no campo da inclusão escolar, especialmente de crianças autistas.
O marco chega em um momento em que os números de matrículas de estudantes com deficiência crescem no país. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), atualmente cerca de 1,77 milhão de alunos com alguma deficiência estão matriculados na educação básica, o que inclui educação infantil, ensino fundamental e médio. Entre eles, estão crianças com deficiência intelectual, física, auditiva, múltipla, autismo, baixa visão e também superdotação.
Apesar desse avanço em termos de acesso, a qualidade da inclusão continua sendo um dos maiores desafios. Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que 26% das crianças com deficiência entre 0 e 14 anos estão fora da escola no Brasil. Para especialistas, esse número revela uma lacuna que vai além do ingresso: a permanência e o desenvolvimento dos estudantes também dependem de estrutura, formação de profissionais e políticas públicas efetivas.
Educação inclusiva
Nos últimos anos, as políticas públicas brasileiras avançaram em relação ao direito de estudantes com deficiência. A legislação determina que as crianças tenham acesso à rede regular de ensino e contem com atendimento especializado quando necessário. Um exemplo é o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados em 2023, que garante atendimento educacional especializado a estudantes com autismo em instituições públicas e privadas.
Contudo, a prática nem sempre acompanha a teoria. Embora a matrícula em turmas regulares seja uma conquista, a falta de preparo pedagógico e de infraestrutura adequada ainda compromete a experiência desses alunos. Muitas escolas não contam com profissionais capacitados em educação inclusiva ou não oferecem os recursos de acessibilidade necessários para atender às demandas individuais de cada estudante.
A psicopedagoga Maria Helena Duarte, especialista em educação infantil e inclusão, destaca que a escola exerce papel essencial no processo de socialização e aprendizado da criança autista. “A educação infantil é a primeira oportunidade de convivência coletiva, onde a criança começa a desenvolver habilidades sociais, emocionais e cognitivas. Para o autista, esse ambiente é ainda mais relevante, pois possibilita experiências de interação fundamentais para o desenvolvimento. No entanto, sem preparo adequado, a escola pode se tornar um espaço de exclusão, ainda que a matrícula esteja garantida”, explica.
O impacto da escola
Para a mãe de Pietro, de 8 anos, o ingresso do filho na escola foi decisivo para sua evolução. Diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) aos 3 anos, ele encontrou no ambiente escolar não apenas aprendizado formal, mas também a oportunidade de desenvolver habilidades sociais.
A mãe, Carolina Martins, recorda o processo de adaptação. “A escola foi mega importante para o desenvolvimento do Pietro. Antes, ele tinha muita dificuldade de comunicação, quase não interagia com outras crianças. Depois que começou a frequentar as aulas, com apoio dos professores, percebi avanços significativos. Ele passou a falar mais, a brincar em grupo e até a expressar melhor o que sente”, conta, emocionada.
Apesar do progresso, ela reconhece que o caminho nem sempre foi fácil. “No começo, houve resistência de algumas escolas em aceitá-lo. Muitas vezes escutei que não havia estrutura, que não tinha profissional especializado. Felizmente, encontramos uma instituição que acredita na inclusão e que buscou adaptar a metodologia às necessidades dele. Mas sei que muitas mães não têm a mesma sorte”, relata Carolina.
Formação de professores
Entre os obstáculos mais apontados por especialistas e familiares está a falta de formação adequada de professores e equipes pedagógicas. Muitos educadores ainda não recebem capacitação suficiente para lidar com crianças autistas, o que gera insegurança no processo de ensino e limitações na adaptação das atividades.
A psicopedagoga Maria Helena reforça que a inclusão não significa apenas compartilhar o mesmo espaço físico.“Inclusão é quando a criança participa de verdade das atividades, aprende no seu ritmo e se sente pertencente àquele ambiente. Para isso, é fundamental que o professor tenha ferramentas práticas, desde metodologias diferenciadas até estratégias de comunicação alternativa. Sem essa preparação, corre-se o risco de reforçar a exclusão dentro da sala de aula”, afirma. Ela defende políticas públicas que priorizem programas contínuos de formação docente. Segundo a especialista, a educação inclusiva deve ser tratada como eixo central da formação de professores, e não como um complemento.
O papel da família
Se por um lado a escola é essencial para o desenvolvimento da criança autista, a família também desempenha papel determinante. A mãe de Pietro ressalta que a parceria entre pais e professores foi crucial para os avanços do filho. “Sempre busquei manter diálogo aberto com a escola. A cada dificuldade, conversávamos sobre estratégias possíveis, adaptações de atividades, acompanhamento terapêutico. Essa troca foi fundamental para que Pietro se sentisse parte do grupo e não um aluno diferente”, relata.
Para especialistas, essa integração entre escola e família deve ser vista como um dos pilares da educação inclusiva. O acompanhamento constante permite ajustes pedagógicos mais rápidos e evita que a criança se sinta isolada.
Caminhos para avançar na inclusão
Apesar dos desafios, especialistas afirmam que existem caminhos possíveis para transformar a realidade da inclusão no Brasil. Investir na formação continuada de professores, ampliar os recursos de acessibilidade nas escolas e fortalecer políticas públicas de apoio às famílias estão entre as medidas mais urgentes.
A psicopedagoga cada criança autista apresenta características próprias e, portanto, a escola deve estar preparada para oferecer uma educação personalizada. “A inclusão verdadeira exige respeito às singularidades. Quando o ambiente escolar valoriza essas diferenças, todos os alunos ganham, não apenas aqueles com deficiência. A convivência ensina empatia, solidariedade e promove uma sociedade mais justa”, conclui.
No Dia Nacional da Educação Infantil, celebrado nesta segunda-feira, especialistas, educadores e famílias reforçam que o país já avançou no direito à matrícula, mas o desafio agora é assegurar que todas as crianças, autistas ou não, possam aprender, conviver e se desenvolver plenamente dentro da escola.