PL “da adultização” é aprovada para proteger crianças no ambiente digital
Projeto cria regras para fiscalização e segurança on-line de menores e segue para sanção presidencial
Na noite desta quarta-feira (27), o Senado Federal aprovou, por meio de votação simbólica, o Projeto de Lei (PL) 2628/2022, conhecido como “PL contra a adultização de crianças” ou “ECA Digital”. A proposta estabelece regras para proteção e prevenção de crimes contra crianças e adolescentes no ambiente digital. O texto seguirá agora para sanção do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para que seja implementado oficialmente.
De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), o PL contou com apoio do Governo Federal e de organizações da sociedade civil que atuam na defesa de crianças e adolescentes. O parlamentar já havia defendido que a aprovação do projeto era uma “necessidade urgente diante da crescente exposição das novas gerações a riscos graves na internet”.
O projeto foi inicialmente apresentado pelo deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), que explicou: “Essa solução se inspira no modelo adotado pela Constituição Federal, que, ao tratar da proteção contra conteúdos prejudiciais na comunicação social, optou por assegurar à família os meios para se defender, e não por substituir sua autonomia”. No Senado, passou por alterações sob relatoria do senador Flávio Arns (PSB-PR), até chegar ao texto final aprovado nesta semana.
Segundo especialistas, a proposta reforça determinações já previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sancionado em 1990, antes da consolidação da internet e das redes sociais. Isso fazia com que a legislação tivesse alcance limitado sobre questões do ambiente digital. O novo projeto atualiza essas normas, trazendo ferramentas específicas para lidar com riscos próprios do mundo online.
Entre as inovações do texto está a criação de uma autoridade nacional independente, responsável por fiscalizar, aplicar sanções e regulamentar procedimentos relacionados à lei. Essa autoridade terá autonomia para monitorar o cumprimento das regras e garantir que plataformas digitais cumpram as exigências legais.
O PL tem 16 capítulos e 41 artigos, impondo às plataformas digitais a adoção de medidas “proporcionais” para reduzir riscos de acesso de crianças e adolescentes a conteúdos ilícitos ou inadequados. Entre eles, estão exploração e abuso sexual, violência, assédio, jogos de azar e práticas publicitárias abusivas.
Outro ponto de destaque é a exigência de mecanismos mais seguros para a verificação da idade dos usuários de redes sociais. Hoje, esses recursos se baseiam quase exclusivamente na autodeclaração, considerada insuficiente diante da vulnerabilidade das crianças no ambiente virtual.
O secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR), João Brant, ressaltou a relevância da medida: “A aprovação do PL 2628 representa um passo fundamental para garantir que crianças e adolescentes possam estar em ambientes digitais de forma mais segura. Estamos falando de proteger direitos, reduzir riscos e dar às famílias e educadores instrumentos para enfrentar desafios próprios da era digital”.
O especialista em direito digital Lucas Ruiz Balconi avaliou que o texto traz uma mudança de paradigma na responsabilização: “A mudança é de uma postura reativa para uma proativa. A segurança deixa de ser um ‘problema do usuário’ e passa a ser uma obrigação de engenharia da plataforma. Antes de lançar um novo produto ou realizar mudanças no algoritmo, as plataformas serão legalmente obrigadas a analisar e mitigar os riscos que ele pode gerar, desde o vício em telas até a exposição a conteúdos nocivos”.
Durante a votação, a maioria dos senadores manifestou apoio, avaliando o projeto como um avanço necessário. Contudo, houve resistências. O senador Carlos Portinho (PL-RJ), apesar de reconhecer a relevância do tema, afirmou temer que a lei resulte em uma regulação excessiva das plataformas. Eduardo Girão (Novo-CE) também se posicionou contra, dizendo: “É a porteira que o STF está esperando para regulamentar rede social”. Os senadores Jaime Bagatolli (PL-RO) e Luis Carlos Heinze (PP-RS) acompanharam a posição contrária.
Denúncias de exploração infantil aceleram aprovação do “ECA Digital”
O tema ganhou força no debate público após a divulgação de um vídeo no YouTube, em 9 de agosto, pelo youtuber Felipe Bressanim Pereira, conhecido como Felca. Na gravação, ele denunciava casos de sexualização de menores e compartilhamento de pornografia infantil nas redes sociais. O vídeo citava diretamente o influenciador digital Hytalo Santos, investigado e atualmente preso. A repercussão nacional pressionou pela aceleração da votação do PL, que já estava em tramitação desde 2022.
O texto aprovado prevê que provedores de serviços com controle editorial e de conteúdos licenciados por direitos autorais poderão ser dispensados de algumas obrigações, desde que cumpram normas do Poder Executivo. Entre essas exigências estão a observância da classificação indicativa, a transparência na definição da faixa etária dos conteúdos, a oferta de ferramentas de mediação parental e a disponibilização de canais acessíveis para denúncias.
Um regulamento do Executivo federal detalha os requisitos técnicos e operacionais. Todas as regras se aplicam não apenas a produtos e serviços explicitamente destinados a crianças e adolescentes, mas também àqueles cujo acesso seja considerado “provável” por esse público. O conceito abrange casos em que há forte atratividade, facilidade de acesso e risco significativo à privacidade, segurança ou desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adolescentes.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-RJ) reforçou que o texto não afetará liberdades fundamentais: “O PL 2628 protege a liberdade de expressão e de imprensa, porque tem um rol muito restritivo de conteúdos que podem ser imediatamente removidos. São conteúdos de exploração sexual, pornografia, assédio, incentivo à automutilação e golpes contra crianças e adolescentes. Opiniões, críticas e reportagens são mantidas, não se aplicam no PL”.
Outro ponto sensível do projeto é a determinação para retirada imediata de conteúdos criminosos. O artigo 29 estabelece que fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia devem excluir publicações que violem direitos de crianças e adolescentes assim que forem notificados pela vítima, seus representantes legais, o Ministério Público ou entidades de defesa dos direitos infantojuvenis, independentemente de ordem judicial.
A aprovação do PL 2628/2022 marca, segundo especialistas, um movimento de adaptação da legislação brasileira aos novos tempos digitais. De um lado, amplia as responsabilidades das plataformas tecnológicas; por outro, cria instrumentos para que famílias e instituições possam proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais cada vez mais complexos.