Léo Moreira e a estrada que começa na Kombi do pai
No podcast MandaVê, cantor capixaba revive memórias da infância, revela bastidores de Goiânia e critica a banalização do ofício musical
Na última segunda-feira (1), o podcast Manda Vê, apresentado por Juan Alaerce, recebeu o cantor sertanejo Léo Moreira. A conversa teve tom de encontro: risadas, lembranças de infância, críticas ao mercado e reflexões sobre a profissão. O episódio mostrou a trajetória de um artista que transita entre raízes familiares e o cotidiano musical de Goiânia, capital do gênero.
Leonardo Gomes Moreira nasceu em 14 de outubro de 1991, em Ibatiba, no Espírito Santo. Filho de músico, cresceu cercado de teclados e guitarras. O pai se apresentava em bailes e bares conhecidos como “risca-facas”, casas simples da época que reuniam público diverso e cenário nem sempre tranquilo. Aos cinco anos, Léo já subia ao palco. Improvisava nos teclados, mesmo sem alcançar as teclas. “Dormia atrás do palco, na capa do instrumento”, recordou. A rotina formou o destino: música não era escolha, mas condição.
Na adolescência, viveu entre Ibatiba e Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, para onde a família se mudou em busca de oportunidades. No bairro do Frade, conviveu com casas de shows e bares. Com o pai, formou a dupla Marcos & Léo. A velha Kombi era transporte, camarim e depósito de instrumentos. Sem habilitação, o pai cruzava estradas entre Rio e Espírito Santo. Em um episódio marcante, foram parados por policiais, obrigados a provar que eram músicos. Montaram o teclado no acostamento, cantaram e só então foram liberados. A Kombi, mais que veículo, virou metáfora de resistência: carregava instrumentos, sonhos e a própria iniciação do filho na música.
Versátil, Léo tocou bateria em bandas de rock e integrou grupos de pop. Mas foi no sertanejo que fincou raízes. Em 2014, já em Goiânia, gravou seu primeiro CD e DVD ao vivo. O projeto teve participações de Cristiano Araújo, Fred & Gustavo, Zé Ricardo & Thiago e Humberto & Ronaldo. No repertório, composições próprias como “Saudade Pendente” e “Me Amou no Elevador” revelaram também o compositor. O registro consolidou a escolha de migrar para o centro do sertanejo.
No podcast, Moreira falou sobre os dilemas do mercado. Disse preferir eventos corporativos a bares. Argumenta que os cachês pagos na maioria dos bares são baixos e desvalorizam o trabalho. “Eu sei quanto vale o meu show e o que entrego”, afirmou. Para ele, os eventos privados são mais rentáveis e permitem conexões que geram novas contratações. Ainda assim, reconhece que Goiânia é um cenário competitivo. Muitos aceitam valores baixos para sobreviver e, segundo ele, isso enfraquece toda a classe de músicos.
O episódio também abriu espaço para uma reflexão sobre a forma como o público consome música hoje. Para Moreira, perdeu-se o hábito da escuta atenta, aquela disposição de parar e acompanhar a letra, a melodia e a interpretação. A canção, diz ele, virou pano de fundo: em bares ou encontros, servem muitas vezes apenas como ruído ambiente, diluída em meio às conversas. Essa mudança, segundo o cantor, não pode ser dissociada da transformação tecnológica.
Até os anos 1990, gravar um disco exigia tempo, recursos e preparo vocal. Era comum passar meses em estúdio, repetindo a mesma faixa até que ficasse perfeita, sem margem para correções digitais. Hoje, softwares de edição e programas de afinação ajustam imperfeições em segundos. A velocidade facilita a produção, mas, na avaliação de Moreira, abriu espaço para um certo comodismo. “Os antigos estudavam tanto que viravam o próprio instrumento. A viola fazia parte do corpo deles. Hoje se consegue resultado rápido sem esforço, e muitos se acomodam. As pessoas não querem mais estudar.”
Para ele, não se trata de nostalgia, mas de processo. O esforço contínuo de décadas atrás garantia consistência e identidade artística, algo que considera cada vez mais raro em meio à produção acelerada.
Apesar das críticas, houve espaço para referências. Citou João Carreiro, Chitãozinho & Xororó e Daniel. Sobre este último, contou um episódio recente. Em viagem de balsa rumo ao Pará, recebeu a notificação de que Daniel havia começado a segui-lo no Instagram. “Fiquei anestesiado. Ele viu alguma coisa para poder me seguir”, disse.
Aos 34 anos, prestes a comemorar aniversário em outubro, Léo Moreira mantém agenda de shows pelo país. Carrega a herança de um pai músico, a lembrança da Kombi que cruzava estradas sem habilitação e os palcos improvisados da juventude. Entre fé, disciplina e carisma, constrói uma carreira que ainda busca voos maiores, mas já acumula histórias que se confundem com a própria história recente do sertanejo.