MandaVê destaca como Júnior Gomes saiu de fitas caseiras para sucessos nacionais
Filho de agricultores, compositor relembra infância em comunidade rural, primeiras gravações e a persistência que o levou a assinar sucessos do forró e do sertanejo
Na última segunda-feira (15), o podcast MandaVê, apresentado por Juan Allaesse, recebeu o compositor Júnior Gomes, hoje um dos mais gravados do país. Filho de agricultores do interior do Ceará, ele voltou ao passado para revisitar a vida na comunidade Fazenda Pereiros, onde aprendeu cedo a conciliar o trabalho no campo com a música herdada do pai, violeiro de apresentações locais. “Tenho muita alegria de falar dele. Além de agricultor, era músico, e eu cresci vendo meus pais na roça e meu pai nos palcos pequenos”, disse.
Gomes aprendeu violão com a ajuda de uma amiga e de revistinhas de cifras compradas em banca. Não parava até acertar o acorde. Logo, passou a gravar fitas caseiras com amigos e a criar paródias na escola. Da brincadeira escolar nasceram composições inéditas que lhe mostraram, ainda na adolescência, que havia algo além do improviso: um ofício.
Aos 18 anos, mudou-se para Fortaleza, em busca de sustento. Durante o dia, conciliava empregos temporários; à noite, mantinha o violão por perto. A capital cearense foi o ponto de virada. Cercado por bandas regionais de forró, começou a oferecer composições, muitas vezes sem cobrar nada, apenas para construir catálogo. “Não se começa casa pelo teto”, disse, em referência à estratégia de ceder músicas a grupos menores para, mais tarde, conquistar espaço junto a artistas de maior alcance.
Essa decisão estratégica se mostrou decisiva. Com o acúmulo de faixas gravadas, seu nome começou a circular no mercado até chegar ao sertanejo, gênero que se tornou dominante no país a partir dos anos 2000. A transição do forró regional para o sertanejo nacional foi acompanhada de perto por compositores como Gomes, que ampliaram repertórios e adaptaram estruturas de canções. O movimento revelou como a figura do autor, muitas vezes invisível para o público, sustenta engrenagens da indústria.
No episódio do MandaVê, Gomes descreveu o processo criativo como um exercício de observação cotidiana. Expressões banais, conversas de bar ou frases colhidas nas redes sociais podem se transformar em refrões memoráveis. “Eu acredito que o compositor nasce com o dom, mas precisa insistir até a música sair”, disse. Essa insistência está por trás de hits que lotam estádios e dominam plataformas de streaming nos últimos anos.
A entrevista também mostrou os bastidores de uma carreira marcada por tentativas e erros. O compositor lembrou canções que ficaram “na gaveta” por anos até encontrarem o intérprete certo, e outras que, escritas em minutos, se tornaram hinos nacionais. Essa relação entre timing, exclusividade e aposta de mercado define o destino de uma música. Muitas vezes, a decisão de segurar ou liberar um título pode valer o alcance de milhões de ouvintes.
Esse repertório de apostas e acertos levou Gomes a ser gravado por alguns dos maiores nomes da música brasileira. Entre eles, Wesley Safadão, que imortalizou “Ar Condicionado no 15”, e artistas como Henrique & Juliano, Marília Mendonça, Zé Neto & Cristiano, Gusttavo Lima, Bruno & Marrone, Maiara & Maraisa, Luan Santana, Simone Mendes e Ana Castela. A lista inclui ainda Fernando & Sorocaba, Michel Teló, Naiara Azevedo, Matheus & Kauan, Gustavo Mioto, Turma do Pagode, Anitta e Pixote. São vozes que levaram ao topo composições como “Notificação Preferida”, “Zé da Recaída”, “Todo Mundo Vai Sofrer”, “Esqueça-me Se For Capaz” e “Namorando ou Não”.
Fora dos palcos, Júnior Gomes também encontrou força no coletivo de compositores Seu Hit, grupo que ajudou a fundar ao lado de Vinícius Poeta, Vine Show, Benício Neto e Renno Poeta. Conhecidos como “Meninos do Nordeste”, eles somaram talentos e construíram um catálogo que ultrapassa centenas de canções de forró e sertanejo. A parceria deu visibilidade nacional e mostrou que, além do profissionalismo, a leveza da amizade é parte essencial do processo criativo.
Hoje, com mais de 6 bilhões de visualizações no YouTube e presença constante em rádios e plataformas digitais, Gomes se consolidou como um dos compositores mais gravados do país. Suas letras alimentam repertórios de artistas de diferentes estilos e abriram caminho para que outros autores do Nordeste ganhassem espaço em um mercado historicamente concentrado no eixo Rio-São Paulo. A ascensão do cearense evidencia um aspecto da música brasileira: o intérprete concentra os holofotes, mas o alcance de um hit continua a ser definido nos bastidores, no trabalho de quem escreve. É nesse espaço que se decide o que milhões de pessoas irão cantar, revelando que o poder da canção nasce antes do palco, na mão de quem a compõe.