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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Trânsito

Alta dos seguros de motos em Goiás expõe impacto da ausência do DPVAT

Crescimento da procura por proteção, evidencia lacunas deixadas pela extinção da indenização, que sobrecarrega o SUS e deixa vítimas desassistidas

Letícia Leitepor Letícia Leite em 18 de setembro de 2025
No Estado, os dados reforçam o perfil de quem mais procura seguro: motociclistas majoritariamente homens, solteiros e com idades entre 18 e 45 anos Foto:Divulgação/CBM-GO
No Estado, os dados reforçam o perfil de quem mais procura seguro: motociclistas majoritariamente homens, solteiros e com idades entre 18 e 45 anos Foto:Divulgação/CBM-GO

O mercado de seguros de motocicletas em Goiás tem registrado aumento de procura e, ao mesmo tempo, encarecimento das apólices. Segundo o Mapa de Seguros da Serasa, entre 2024 e 2025 houve salto nas cotações para motos em todo o Brasil, passando de 28% para 41% das buscas, movimento que reflete a crescente popularização do veículo como alternativa prática de transporte e de geração de renda. 

“A popularização dos aplicativos de mobilidade ampliou as opções de transporte, levando o consumidor a avaliar o custo-benefício entre carro próprio, moto ou transporte por aplicativo. Nesse cenário, a moto se consolidou como uma alternativa prática e acessível, tanto para deslocamento diário quanto para geração de renda”, afirma Emir Zanatto, head de seguros da Serasa.

Em Goiás, os dados reforçam o perfil de quem mais procura seguro: motociclistas majoritariamente homens (61,7%), solteiros (59,5%) e com idades entre 18 e 45 anos (71,5%). A faixa de renda predominante fica entre R$ 1.500 e R$ 3 mil mensais (71,5%), evidenciando que a maior parte desse público pertence a camadas de menor poder aquisitivo. Ainda assim, o nível de adimplência é relativamente alto, 85,8% em Goiás, mostrando preocupação com a proteção patrimonial.

A escalada das procuras ocorre em um cenário de fragilidade estrutural. Com o fim da cobrança do Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) em 2020, e a tentativa frustrada de criação do SPVAT em 2024, motociclistas passaram a arcar sozinhos com os custos de indenizações e tratamentos. Até 2023, os recursos acumulados do DPVAT ainda garantiam cobertura, mas o saldo foi esgotado em novembro daquele ano. Desde então, vítimas de acidentes dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) ou de seguros privados.

O impacto é direto no sistema público de saúde. Estimativas do Ministério da Saúde apontam que 45% da arrecadação do DPVAT era destinada ao Fundo Nacional de Saúde, o que representava cerca de R$ 580 milhões por ano. 

A representante da pasta, Letícia de Oliveira Cardoso, afirmou em audiência pública que a extinção do benefício sobrecarregou os cofres da União: apenas com internações de vítimas de trânsito, os gastos chegam a R$ 449 milhões anuais. Ainda destaca que os motociclistas são as principais vítimas e que até 60% dos leitos de urgência e UTI  em alguns municípios estão ocupados por acidentados.

No Estado goiano, o cenário se reflete no Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (Hugo), que registrou 909 atendimentos relacionados a acidentes de trânsito nos quatro primeiros meses de 2025. Desse total, 678 envolveram motociclistas, resultando em 75% das ocorrências. Em 2024, na Capital, o Painel Vida no Trânsito (PVT) contabilizou 205 mortes, sendo 128 de motociclistas. Os dados mostram ainda que 84,9% das vítimas fatais eram homens, confirmando a vulnerabilidade desse público.

Especialistas apontam que fatores comportamentais ampliam os riscos. “Os jovens costumam ter um espírito mais aventureiro e começam a pilotar sem pilotar experiência. Eles precisam entender que devem sempre ser visíveis no trânsito, evitar ultrapassagens pela direita e movimentos bruscos. Mas, na prática, o que vemos é o contrário: desrespeito à sinalização, avanço de semáforos e falta de empatia com outros usuários”, alerta Marcos Rothen, especialista em mobilidade urbana. 

O presidente do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO), Delegado Waldir, também destaca a diferença de comportamento entre homens e mulheres: “As estatísticas mostram que a mulher sempre foi a melhor motorista. É aquela que tem o menor número de mortes. Quase 80% dos homens são as vítimas fatais de acidentes.”

Nesse contexto, a alta dos seguros de motocicletas, embora busque compensar o aumento da sinistralidade, acaba pesando no bolso de quem depende do veículo para trabalhar e se locomover. E, sem o DPVAT, quem não consegue contratar uma apólice particular permanece exposto a uma dupla vulnerabilidade: a do trânsito e a da falta de proteção financeira.

Auxílio-acidente do INSS: quando o trabalhador tem direito ao benefício

O aumento dos acidentes de trânsito, sobretudo envolvendo motociclistas, reforça a importância de compreender os mecanismos de proteção disponíveis no âmbito da Previdência Social. Entre eles está o auxílio-acidente, benefício indenizatório pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a segurados que, após um acidente, apresentam sequelas permanentes que reduzem sua capacidade de trabalho.

De acordo com o advogado previdenciário Felipe Moura, o benefício não substitui o salário, mas funciona como um complemento de renda. “O auxílio-acidente corresponde a 50% do salário de benefício do segurado, que é calculado com base na média de suas contribuições previdenciárias. Ele é pago mensalmente até a aposentadoria e pode ser acumulado com o salário, desde que a pessoa continue trabalhando”, explica.

Para ter direito, é necessário comprovar que o acidente gerou sequelas definitivas, mesmo que parciais, que limitem a atividade profissional. O pedido pode ser feito administrativamente, mediante apresentação de documentos pessoais, Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), quando for o caso, laudos médicos e exames. Caso o INSS negue o pedido, é possível recorrer judicialmente.

Moura reforça que muitos trabalhadores desconhecem o direito e deixam de solicitar o auxílio. “A informação é fundamental, principalmente para motociclistas, que compõem uma categoria altamente exposta a acidentes. O benefício pode garantir um mínimo de estabilidade financeira em um momento de fragilidade”, afirma.

No entanto, o advogado alerta que o auxílio não cobre despesas médicas nem substitui a função que era exercida. “É um apoio parcial, que ajuda a reduzir o impacto das sequelas, mas não resolve o problema maior: a ausência de um seguro nacional obrigatório, que atendia milhares de vítimas de trânsito todos os anos.”

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