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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Música brasileira

Marina Lima completa 70 anos reafirmando a canção como exercício de liberdade

Cantora chega às sete décadas em plena atividade, lembrando Antonio Cicero, revisitando sua história e preparando novos trabalhos

Luana Avelarpor Luana Avelar em 22 de setembro de 2025
13 MATERIA CREDITOS FT 1 Marina Novelli Divulgaca
Foto: Divulgação

Marina Lima completou 70 anos no último dia 17 de setembro e não há sinal de acomodação em sua obra. Nascida em 1955, no Rio de Janeiro, a artista construiu ao longo de quase cinco décadas uma produção marcada pela sofisticação, pela inquietude e pela coragem artística. Desde a estreia no fim dos anos 1970, recusou rótulos fáceis. Pop, rock e MPB apareceram em sua música como camadas de uma linguagem própria, desenvolvida em diálogo constante com o irmão Antônio Cícero, poeta e filósofo morto em 2024, cuja presença foi decisiva para a consolidação de seu trabalho.

A estreia aconteceu em 1978 com “Muito”, de Caetano Veloso. No ano seguinte, veio Simples como fogo, álbum que a inseriu em um ambiente cultural em transformação. Enquanto Lulu Santos e Lobão definiram um novo pop urbano, a cantora carioca seguiu caminho próprio, unindo melodia direta à poesia moderna de Cícero. Dessa aliança nasceram composições que tratavam de sexo, desejo e afeto com naturalidade inédita na música popular. Fullgás (1984) e Virgem (1987) se tornaram exemplos de como a parceria entre irmã e irmão inseriu a poesia contemporânea no coração da cultura de massa.

O vínculo entre os dois nunca foi apenas profissional. Além de assinar algumas das canções mais marcantes dos anos 1980, Cícero era presença cotidiana. No documentário Uma Menina Chamada Marina (2019), a cantora resumiu essa relação: “A vida inteira morei com meu irmão e começamos a compor juntos, mas por ter muita intimidade, às vezes a gente se estranhava. Uma hora acho que a gente enjoou um do outro e fomos cada um para um caminho. Na época, fiquei aflita, achando que ele estava sendo injusto comigo, mas depois a gente se encontrou e descobriu que sentíamos muita falta um do outro. Passados 15 anos, ainda estamos nessa lua de mel e sempre cheios de saudades”.

Nos anos 1980, a compositora assumiu posição central na redemocratização cultural. Cantava, escrevia e tocava instrumentos em um cenário que ainda duvidava da legitimidade das mulheres nesses papéis. Em 2023, em entrevista à Marie Claire, recordou a desconfiança que pairava sobre compositoras e instrumentistas: “Havia preconceito mesmo, mas isso está sendo quebrado. Liberdades conquistadas não voltam atrás”. Suas canções, em primeira pessoa feminina, afirmavam essa liberdade de modo ainda mais contundente do que qualquer discurso.

A postura libertária a transformou em referência para a comunidade LGBTQIAPN+. Muito antes de falar publicamente sobre sua homossexualidade, em 2004, já era reconhecida como figura de autenticidade. “Se puder ajudar a esclarecer a vida de outras pessoas através do que sei e penso, farei isso”, disse na mesma entrevista. Essa sinceridade, sem cálculo, foi decisiva para que se tornasse símbolo de representatividade, inspirando artistas de diferentes gerações.

A discografia soma 17 álbuns de estúdio. Marina Lima (1991) e O Chamado (1993) aprofundaram a densidade autoral. Clímax (2011), fruto de sua vivência paulistana, revelou vigor inesperado. Já Novas famílias (2018) dialogou com rearranjos afetivos contemporâneos, refletindo sobre novas formas de convivência. Em cada trabalho, há uma fisionomia própria, mas todos partilham a recusa ao conforto da repetição.

O reconhecimento da artista foi ampliado pelo documentário Uma Menina Chamada Marina (2019), de Candé Salles, que percorreu sua vida e obra com olhar íntimo. Ali, ela aparecia não apenas como cantora consagrada, mas como mulher que atravessava preconceitos, afetos e escolhas radicais em nome da liberdade criativa.

Em 1996, a intérprete recebeu diagnóstico de disfonia nas cordas vocais, o que limitou sua extensão de canto. O que poderia ter sido um fim se transformou em recurso artístico. A voz, mais contida, adquiriu intensidade distinta, reafirmando que cantar, para ela, sempre foi um gesto de pensamento, e não apenas ornamentação.

O ano de 2024 marcou a despedida de Antônio Cícero. Diagnosticado com Alzheimer, o poeta decidiu interromper a vida em Zurique, com morte assistida. No Conversa com Bial, a cantora relatou a decisão com clareza: “A morte dele faz parte da obra dele. É incrível, tenho um orgulho danado disso”. 

Apesar da perda, a artista manteve-se em movimento. Em 2024, apresentou o espetáculo Rota 69, dirigido por Candé Salles, que revisitou diferentes fases de sua carreira. Também subiu ao palco de festivais, como o PRIO Blues & Jazz, no Rio de Janeiro, e, em 2025, dividiu cena com Pabllo Vittar no Lollapalooza, reafirmando sua conexão com artistas mais jovens. Agora prepara um álbum de inéditas e uma turnê nacional, mostrando que não se limita a revisitar sucessos.

O envelhecimento, para ela, nunca foi sinônimo de perda. “A vida é um aprendizado, onde a gente vai meio que estagiando e aprendendo melhor. Aliás, essa é a beleza do envelhecimento”, disse à Marie Claire. O olhar sobre o tempo vivido aparece em suas letras, mas também em sua postura diante do palco: cada show é uma atualização daquilo que sempre defendeu, a liberdade de ser e dizer.

Sobre os 70, ela diz: “Vivi muitas idades e não fiquei presa a nenhuma. Eu quero descobrir o que há de libertador agora, neste processo e idade em que estou”. Desde Simples como fogo até os projetos atuais, manteve a canção como espaço de liberdade estética, poética e existencial. Em cada escolha, reafirmou que vida e música são inseparáveis. E hoje não comemora apenas o tempo vivido, mas a permanência da inquietude que fez dela uma das vozes mais consistentes da canção brasileira.

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