Entre fé e música, Jeff da Sanfona constrói o próprio som
No podcast MandaVê, artista lembrou infância em Macapá, mudança para Goiás e caminho até se firmar como compositor gravado por nomes do sertanejo
Na última segunda-feira (22), o podcast MandaVê, apresentado por Juan Allaesse, recebeu o músico e compositor Jefferson da Silva Duarte, conhecido como Jeff da Sanfona. Durante a conversa, ele relembrou episódios de infância, a mudança de Macapá para Goiânia e a promessa religiosa que, segundo ele, sustenta sua vida profissional.
Nascido em Fortaleza e criado em Macapá, Jeff cresceu em uma família de comerciantes. Ainda adolescente, viu o irmão mais novo subir ao palco durante as férias na capital cearense e improvisar no microfone, chamando a atenção do público. O episódio despertou nele a curiosidade pela música. Pouco depois, um primo lhe ensinou os primeiros acordes no teclado.
De volta ao Amapá, os irmãos formaram uma banda e, em seguida, uma dupla sertaneja. O interesse pela sanfona surgiu quando Jeff percebeu que o instrumento era central no gênero que começava a dominar o país. Sem professor, aprendeu sozinho: desacelerava vídeos de apresentações, retirava o som e imitava os movimentos. Com o tempo, ganhou fluência no instrumento e a dupla, batizada Jefferson e Raphael, passou a atrair público e agenda cheia.
O crescimento foi rápido. Eles chegaram a organizar os próprios eventos, montando estruturas, alugando espaços e negociando patrocínios. O investimento deu retorno: no auge, eram apontados como a maior dupla do Amapá, com cachês que alcançavam R$40 mil por show. “No auge, fazíamos os maiores shows do estado”, relembrou Jeff.
A experiência os levou a conhecer investidores, e um contrato de R$ 3 milhões possibilitou a mudança para Goiânia em 2015. A estreia foi com participação no DVD de Humberto e Ronaldo, experiência que abriu portas para contatos, mas coincidiu com a crise econômica nacional. O mercado de shows retraiu e os cachês desabaram.
Nesse período, Jeff recebeu de um pastor a mensagem que mudaria sua vida: a de que se tornaria compositor de destaque, mas que o caminho seria em Goiás. “Foi um choque de realidade. Saí de uma renda de dezenas de milhares por semana para receber R$150 em apresentações”, contou.
A fase inicial em Anápolis foi dura. Ele viajava diariamente até Goiânia para compor e tentar espaço no mercado. Em meio às dificuldades, relatou um episódio que marcou a memória: “Meu filho mais velho queria comer uma pizza e era 24 reais, e eu não tinha 22 reais. Aí eu pedi à moça só a pizza sem a embalagem. Eu lembro que ajoelhei e falei: ‘Deus, o senhor não me trouxe pra cá pra isso’. Na época eu não sabia que aquilo era provas pra saber se eu tinha fé ou não”, disse no podcast.
Apesar das dificuldades, Jeff persistiu. Passou a trabalhar com Greg, cantor que se tornou parceiro de composições e gravações de guias. Essas versões — gravações de referência para cantores e produtores — se tornaram porta de entrada. “Eu percebia que muita gente não fazia guia bem produzido. Então decidi investir nisso. Era uma forma de entrar no circuito e mostrar meu trabalho”, explicou.
A estratégia deu certo. As guias chegaram às mãos de nomes como Bruno Mandioca e Maicon, já inseridos no mercado sertanejo. Eles abriram espaço para Jeff frequentar rodas de composição e, pouco a pouco, suas músicas começaram a circular.
A virada definitiva veio com “Ednalva”, que passou por diferentes artistas, incluindo Gusttavo Lima. A canção trouxe as primeiras negociações relevantes como autor e consolidou seu nome entre os compositores do gênero.
Além disso, a carreira de Jeff é marcada por reencontros improváveis. Em Macapá, ainda antes da mudança, ele havia emprestado uma mesa de som para que João Bosco & Vinícius conseguissem realizar um show cujo equipamento havia ficado retido em Belém. Uma década depois, durante uma audição em Goiânia, foi reconhecido por João Bosco. “Ele me reconheceu na hora e lembrou daquele episódio. Foi quando percebi que nada acontece por acaso”, disse.
O repertório de Jeff se ampliou. Vieram composições como “No Barulho da Pisadinha”, “Paga Paga” e “Fumo da Noite”, gravadas por artistas de alcance nacional. O resultado consolidou sua imagem como compositor versátil, capaz de unir referências regionais à linguagem do sertanejo de massa.
Hoje, além de compor, atua como produtor no estúdio Muzique, de Murilo Huff, onde participa de arranjos, acompanha gravações e ajuda a moldar projetos de novos artistas. Essa frente de trabalho ampliou sua atuação nos bastidores, colocando-o como peça estratégica em lançamentos que chegam às plataformas digitais e rádios do país.
No MandaVê, Jeff reforçou que a fé foi decisiva para atravessar os momentos de escassez. “Entendi que não eram obstáculos para me derrubar, mas para testar a minha fé. Quando não havia saída, eu lembrava da promessa e seguia”, afirmou.
De sanfoneiro autodidata em Macapá a compositor ouvido nas vozes de estrelas do sertanejo, Jeff da Sanfona construiu um caminho em que música, fé e persistência caminham juntas. A entrevista no podcast expôs não apenas a história de um artista, mas também o retrato de um segmento musical que se reinventa a partir de bastidores pouco visíveis para o público.