Bloqueios na Marginal Botafogo e Rua 87 podem gerar efeito cascata no trânsito
Especialista em mobilidade urbana alerta que medidas preventivas durante chuvas fortes são paliativas e exigem maior planejamento estrutural da cidade
A divulgação do plano de intervenções da prefeitura de Goiânia para o período chuvoso reacendeu o debate sobre os impactos que essas medidas terão no trânsito da Capital. O pacote prevê bloqueios temporários e desvios em trechos críticos da Marginal Botafogo e da Rua 87, pontos historicamente sujeitos a alagamentos. O objetivo, segundo o Gabinete de Crise, é preservar vidas e reduzir riscos para motoristas.
No entanto, para o especialista em mobilidade urbana Marcos Rothen, qualquer bloqueio em vias de grande circulação deve ser adotado apenas em casos realmente necessários. “Qualquer bloqueio de trânsito causa um transtorno na região, principalmente se forem nas avenidas citadas. Assim, elas devem ser bloqueadas se realmente for necessário. É preciso que a situação seja analisada com cuidado por um agente que conhece o local”, afirmou.
As medidas preventivas incluem interdições em pontos estratégicos da Marginal Botafogo, como o acesso da Rua 91, a interseção com a Avenida Independência, trechos próximos ao Viaduto Mauro Borges e o complexo viário da Jamel Cecílio, além da instalação de barreiras móveis na Rua 87. A ideia é garantir segurança em caso de chuvas fortes, mas Rothen ressalta que a lógica do trânsito não permite isolar um problema sem gerar outro.
“O fechamento de uma via importante normalmente se reflete em várias outras. As pessoas precisam se movimentar e se um local está interditado elas vão procurar outros, é o chamado efeito cascata”, explicou o especialista. Segundo ele, o bloqueio de corredores viários estratégicos tende a sobrecarregar ruas paralelas e avenidas secundárias, criando gargalos em pontos que antes absorviam o fluxo de forma regular.
Esse efeito, pode ser ainda mais preocupante em uma cidade que já convive com altos índices de congestionamento em horários de pico. Goiânia tem uma frota superior a 1,3 milhão de veículos registrados, de acordo com dados do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO) de 2024, e cresce a uma taxa anual que pressiona cada vez mais a infraestrutura viária.
O papel da atuação preventiva
Outro aspecto destacado por Rothen é a necessidade de posicionar equipes de trânsito com base nas previsões meteorológicas, evitando interdições automáticas sem avaliação local. “As cidades mais organizadas e que tem problemas de enchentes colocam as equipes nos lugares sujeitos a enchentes. Assim, quando a meteorologia anuncia a possibilidade de uma chuva forte, os agentes ficam de prontidão nesses locais. O fechamento automático não é normal, até porque as chuvas são diferentes, podem cair mais forte em um bairro do que em outro”, disse.
Para o especialista, a atuação precisa considerar as particularidades climáticas da cidade. “Muitas vezes a Marginal pode ser fechada pela cancela e não ter inundações. O certo é, diante da ameaça de chuva, os agentes se posicionarem e só efetuarem o fechamento se for necessário. Muitas vezes chove no Bueno, mas não no Centro, e assim por diante”, completou.
Soluções permanentes x medidas paliativas
Apesar do esforço da prefeitura em adotar protocolos emergenciais, Marcos ressalta que os bloqueios e sinalizações em áreas de risco não resolvem o problema estrutural de Goiânia. Para ele, a falta de planejamento urbano e de investimentos em drenagem contribui para a recorrência de alagamentos.
“As soluções estruturais exigem um maior esforço do poder público. Assim, o fechamento das vias e até aquelas placas que avisam que o lugar está sujeito a enchentes são um paliativo. Goiânia é uma cidade que pouco se preocupa com a drenagem urbana e, cada vez vai ter mais problemas”, afirmou.
Segundo o profissional, a expansão da impermeabilização do solo urbano, sem contrapartidas adequadas em drenagem, agrava o cenário. “A cidade vai sendo impermeabilizada sem qualquer cuidado. A água vai procurar um lugar para escoar já que não consegue ser absorvida”, concluiu.
Várias capitais brasileiras convivem com o mesmo dilema: expandem suas áreas urbanas sem pensar na drenagem e depois recorrem a medidas emergenciais. A diferença é que algumas cidades já investem em piscinões, reservatórios subterrâneos e sistemas modernos de captação da água da chuva.
As medidas emergenciais anunciadas pelo Gabinete de Crise terão início imediato, com monitoramento meteorológico constante e equipes da Defesa Civil, Secretaria Municipal de Engenharia de Trânsito (SET), Guarda Civil Metropolitana e Corpo de Bombeiros posicionadas nos pontos críticos. No entanto, o alerta de especialistas como Rothen chama atenção para um debate que ultrapassa o período chuvoso: a necessidade de planejar Goiânia para suportar os efeitos da urbanização acelerada e das mudanças climáticas.
Enquanto as soluções definitivas não chegam, motoristas terão que conviver com bloqueios e desvios que, embora necessários para evitar tragédias, poderão trazer novos desafios para a mobilidade da Capital.