O Hoje, O Melhor Conteúdo Online e Impresso, Notícias, Goiânia, Goiás Brasil e do Mundo - Skip to main content

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Dia Nacional do Idoso

Pais e mães envelhecem diante dos olhos dos filhos

A travessia entre autonomia e dependência revela o peso do tempo e a delicadeza dos vínculos

Luana Avelarpor Luana Avelar em 1 de outubro de 2025
13 MATERIA Envelhecimento Foto Marcelo Camargo ABr 1
Foto Marcelo Camargo

A velhice chega devagar, mas ocupa tudo. Primeiro é a dificuldade em subir um lance de escada. Depois, a repetição insistente de uma pergunta já respondida. Mais tarde, a ida ao médico se torna parte do calendário. Para os filhos, não se trata de um acontecimento isolado, mas de um acúmulo de sinais que se impõem como aviso: os pais, antes firmes e autossuficientes, agora caminham em outro ritmo.

O Brasil de hoje carrega uma marca que nenhuma geração anterior conheceu: a longevidade. Em 1920, a expectativa de vida média era de 35 anos. Um século depois, aproxima-se dos 76. O que deveria ser apenas uma conquista estatística transformou-se em fenômeno social. Nunca tantos viveram tanto, e nunca tantas famílias foram chamadas a reorganizar suas rotinas em torno do envelhecimento de pais e mães.

Esse rearranjo não se resume a questões práticas. Ele exige que os filhos revejam o lugar que os pais ocupam em suas vidas. É duro aceitar que aqueles que sustentaram a casa, conduziram decisões e ensinaram caminhos agora precisam de ajuda para atravessar a rua. A infância nos ensinou a vê-los como indestrutíveis. A vida adulta mostra que eles também se curvam diante do tempo.

Nesse cenário, surge uma geração inteira espremida entre demandas opostas. Conhecida como “geração sanduíche”, ela é composta sobretudo por mulheres entre 30 e 50 anos que, ao mesmo tempo, sustentam filhos que ainda não são independentes e pais envelhecidos que já não são autossuficientes. No mesmo dia, uma consulta médica da mãe, a reunião de trabalho, a lição de casa do filho. É uma equação impossível de cuidar para cima e para baixo na linha do tempo. O esforço consome horas e, não raro, vidas inteiras. Muitas deixam de investir na carreira, em estudos ou mesmo em vínculos pessoais. A vida passa a ser medida pelo relógio dos outros.

E o impacto vai além da rotina. Essa geração convive com níveis elevados de ansiedade e depressão, não por fragilidade pessoal, mas pelo acúmulo de exigências que nenhuma estrutura social conseguiu amparar. Entre manter a dignidade dos pais e garantir o futuro dos filhos, a própria vida fica suspensa. Há quem descreva a sensação como viver para os outros, enquanto os próprios desejos ficam engavetados.

A resistência dos mais velhos acrescenta outra camada ao dilema. Poucos aceitam de bom grado abrir mão da autonomia. Quando a filha insiste para que a mãe tome o remédio prescrito, ou o filho sugere que o pai entregue a direção do carro, instala-se um conflito. O que de fora parece teimosia é, na verdade, a recusa em aceitar que a vida encolheu. Para os filhos, resta lidar com a ambivalência: proteger sem humilhar, cuidar sem usurpar a liberdade de quem, por décadas, conduziu a família.

Não existe inversão de papéis, embora muitos insistam nessa imagem. Pais e mães não se tornam filhos. Continuam a ocupar aquele lugar que nenhuma fragilidade dissolve. Ainda chamam seus filhos de crianças e, em meio ao peso dos dias, há um certo alívio em ainda caber nesse espaço.

O desafio maior é aceitar que o tempo não retrocede. Não haverá retorno à imagem dos pais e das mães incansáveis, das figuras que pareciam sustentar o mundo sem esforço. A luta contra o envelhecimento é sempre perdida, e é justamente nesse reconhecimento que se abre uma fresta de lucidez. O que resta, então, é reinventar a forma de estar junto, transformar a rotina em presença, o gesto cotidiano em afeto. O cuidado, ainda que cansativo, carrega a oportunidade de refazer vínculos, de dar nova densidade ao convívio e de reconhecer, na fragilidade deles, um espelho da nossa própria condição.

No país que envelhece, cada família terá de enfrentar esse espelho. Alguns escolherão instituições de cuidado, outros dividirão a rotina entre irmãos, outros ainda carregarão quase sozinhos a tarefa. Nenhuma escolha é simples, mas todas apontam para a mesma direção: aprender a viver com a fragilidade de quem parecia eterno.

O tempo curva os corpos, mas não apaga a história que eles carregam. Entre remédios, idas ao médico e conversas interrompidas, há também humor, sabedoria e uma forma discreta de potência. Pais e mães continuam presentes, mesmo quando cansados. E os filhos, ainda que exaustos, descobrem que amar sempre deu trabalho.

Siga o Canal do Jornal O Hoje e receba as principais notícias do dia direto no seu WhatsApp! Canal do Jornal O Hoje.
Tags:
Veja também