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domingo, 14 de dezembro de 2025
gestoras da vida afetiva

Mankeeping expõe a dependência emocional que os homens terceirizam às mulheres

Parceiras se tornam gestoras da vida afetiva masculina, sustentando crises, vínculos e rotinas que eles não aprendem a manter sozinhos

Luana Avelarpor Luana Avelar em 20 de outubro de 2025
mankeeping
Foto: freepik

A cena é corriqueira, mas raramente nomeada. Ele esquece a consulta médica, se recusa a ligar para o amigo afastado, evita discutir a briga com a família. Ela, quase sempre, corrige a falha: agenda o médico, marca o encontro, faz a ponte com os parentes, traduz o silêncio dele para o mundo. Esse arranjo repetido, antes disfarçado de “cuidado natural”, ganhou em 2024 um termo acadêmico e viral: mankeeping.

Amor que vira administração

Formulado por pesquisadores da Universidade de Stanford, o conceito parte de um dado incômodo: a sociabilidade masculina encolheu. Homens têm menos amizades íntimas, conversam pouco entre si sobre vulnerabilidades e vivem em isolamento afetivo crescente. O déficit não é resolvido com esforço próprio, é transferido para dentro da relação heterossexual. A parceira assume, então, a função de amortecedora de crises, guardiã da saúde mental alheia e secretária de vínculos sociais.

O mankeeping não é mero afeto. É administração. Transformou-se em um trabalho permanente, sem contrato e sem reconhecimento. Cabe às mulheres lembrar compromissos, monitorar humores, estimular sociabilidade, gerir conflitos e sustentar a imagem pública dos companheiros. O parceiro se apoia nesse arranjo com naturalidade, consolidando uma dependência estrutural.

O cotidiano do fardo feminino

A lógica se repete em diferentes camadas. No cotidiano, a mulher exerce a função de conselheira: ela escuta desabafos intermináveis, controla gatilhos de raiva, antecipa crises e oferece validação constante. No espaço social, ela responde mensagens, organiza aniversários, protege a reputação do casal. No íntimo, ela garante que o relacionamento não desabe. O resultado é a conversão do amor em serviço de manutenção, a relação só funciona porque uma das partes trabalha para equilibrar a outra.

A raiz cultural do desequilíbrio

Esse desequilíbrio tem origem cultural. Desde cedo, meninos são desencorajados a expressar medo ou tristeza e incentivados a reagir com indiferença ou agressividade. Meninas, ao contrário, são treinadas para cuidar, compreender e reparar. Quando adultos, o contraste surge: eles não aprendem a sustentar os próprios vínculos; elas acreditam que amar significa compensar a falta. O casal moderno, que se anuncia igualitário, continua operando sob uma gramática arcaica.

Consequências do mankeeping para os dois lados

As consequências do mankeeping são conhecidas, mas pouco assumidas. Para as mulheres, o acúmulo de funções produz desgaste psicológico: ansiedade, sensação de insuficiência, isolamento social, perda de autoestima, exaustão física e mental. Muitas relatam abandonar projetos, hobbies e amizades para assumir a posição de guardiãs emocionais. Para os homens, o efeito é igualmente corrosivo, ainda que menos visível: a infantilização. Ao dependerem permanentemente das parceiras, permanecem imaturos, incapazes de construir autonomia emocional, de enfrentar crises ou de cultivar redes de apoio fora do casal.

O mankeeping, ao contrário do que sugerem alguns críticos, não é apenas uma invenção conceitual. A popularização do termo nas redes sociais, sobretudo no TikTok, onde mulheres passaram a narrar o cansaço e a frustração de serem “terapeutas não remuneradas”, funcionou como um divisor de águas. Experiências antes vistas como irritações banais ganharam nome, narrativa e crítica. Nomear, nesse caso, é tornar político aquilo que era privado.

O problema do mankeeping, no entanto, não se esgota em denunciar a sobrecarga feminina. O centro da questão é a dependência masculina. O homem que delega à parceira a função de manter sua vida afetiva não apenas a sobrecarrega: também abdica da própria maturidade. Ao ser protegido do esforço de elaborar sentimentos e cultivar amizades, consolida a ideia de que não precisa aprender a cuidar de si. É nesse ponto que o mankeeping revela sua face mais perversa: a manutenção feminina perpetua a estagnação masculina.

Como romper o ciclo

Romper o ciclo exige redistribuir responsabilidades. Isso significa dividir de forma concreta a gestão emocional, pactuar limites claros, incentivar homens a buscarem terapia, reconstruir redes de amizade e reconhecer que cuidado não é atributo natural de gênero. Mais do que liberar mulheres do fardo, trata-se de obrigar homens a assumir aquilo que sempre foi visto como opcional: o trabalho de sustentar sua própria vida emocional.

No Brasil, o conceito dialoga com a noção de “carga mental”, que denuncia a invisibilidade da gestão doméstica feita por mulheres. O termo acrescenta uma camada incômoda: mesmo nas relações que se apresentam como modernas e igualitárias, a desigualdade resiste sob a forma de dependência afetiva. O retrato é preciso: ele depende, ela sustenta.

A pergunta que resta não é retórica, mas diagnóstica: quem garante que a vida emocional do casal não desmorone? Se a resposta for, repetidamente, “ela”, não se trata de amor equilibrado, mas de uma engrenagem desigual. O mankeeping dá nome ao fenômeno. A próxima etapa, mais difícil, é desmontar a estrutura que mantém homens dependentes e mulheres exaustas. 

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O mankeeping revela a face oculta da vida conjugal: mulheres como zeladoras da estabilidade emocional masculina, enquanto eles permanecem dependentes de um trabalho silencioso e não reconhecido: Foto: FreePik

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