Quando o corpo sai de moda
Relatório revela que a magreza voltou a dominar as passarelas e expõe o esvaziamento do discurso de inclusão corporal na indústria da moda
A diversidade corporal, que durante alguns anos foi mostrada como um marco de transformação na moda, desapareceu das passarelas com a velocidade de uma tendência superada. A temporada primavera-verão 2026 consolidou o retorno do corpo magro como medida dominante nas principais semanas de moda do mundo. Nas apresentações de Nova York, Londres, Milão e Paris, 97,1% dos 9.038 looks mostrados pertenciam ao grupo de tamanhos entre 32 e 36, de acordo com levantamento da Vogue Business. As modelos consideradas de tamanho médio, entre 38 e 42, representaram 2% das aparições. As chamadas plus size, acima do 44, somaram apenas 0,9%.
Os números mostram que o movimento de inclusão iniciado em 2010, impulsionado pelo chamado body positive, não resistiu à lógica estrutural da indústria. A promessa de pluralidade deu lugar ao antigo ideal de magreza e simetria. As marcas voltaram a privilegiar corpos esguios e silhuetas estreitas, reconstituindo o padrão que há décadas domina o imaginário da moda. A estética do corpo mínimo reaparece, agora fortalecida por tecnologias e fármacos que transformaram o emagrecimento em estratégia de imagem.
O corpo fora do molde
A aparente estagnação da diversidade corporal reflete uma engrenagem que nunca chegou a se reestruturar. As coleções continuam sendo produzidas em tamanhos padronizados, criados meses antes das apresentações. Como o processo de escolha das modelos ocorre poucos dias antes dos desfiles, a logística das marcas impede a inclusão de corpos fora do padrão sem alterações de moldes e cronogramas.
A homogeneidade das passarelas contrasta com o perfil real do público consumidor. Segundo a mesma pesquisa, 43% dos compradores afirmam que o mau ajuste das roupas é o principal motivo para abandonar uma marca, e 36% citam a inconsistência de tamanhos como obstáculo de compra. A discrepância entre o corpo exibido e o corpo existente evidencia uma desconexão estrutural entre o produto e quem o consome.
O resultado é um cenário que reafirma a exclusão como norma. As passarelas, que deveriam refletir o tempo presente, continuam a reproduzir uma visão estreita. A ideia de inclusão, antes vendida como valor de marca, perde densidade e se transforma em retórica publicitária. O corpo real, por sua vez, volta a ocupar o lugar do indesejável, um corpo que não cabe, não veste, não aparece.
A volta da magreza como padrão dominante confirma o esgotamento de uma tentativa de ruptura. A moda internacional parece ter se reconciliado com o modelo que sempre a sustentou: linear, exclusivo e cruel. O corpo diverso retorna à margem, enquanto o desfile segue o curso previsível de um espelho que continua a refletir apenas uma parte do mundo.



Leia mais: https://ohoje.com/2025/01/09/pressao-pelo-corpo-ideal-no-verao-pode-comprometer-a-saude-mental/