O cansaço oculto por trás do funcionamento das metrópoles
Trabalhadores de baixa renda enfrentam múltiplos empregos, insegurança financeira e invisibilidade social, em um modelo que normaliza o esgotamento
Por trás do ritmo ordenado das cidades, os prédios limpos, as portarias iluminadas, os escritórios em funcionamento, há um cansaço que não aparece. Ele pertence às pessoas que mantêm tudo de pé: faxineiras, porteiros, vigilantes, recepcionistas, auxiliares. Seus corpos sustentam o cotidiano urbano; suas mentes, cada vez mais, suportam o peso do silêncio.
Dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho mostram que os transtornos mentais já estão entre as principais causas de afastamento profissional no país. No setor de serviços, que concentra salários baixos e alta repetição de tarefas, o quadro se torna ainda mais grave: cresce o número de trabalhadores com ansiedade, depressão e síndrome de burnout.
Levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) confirma que os trabalhadores de baixa renda são os mais vulneráveis ao adoecimento emocional, não por fragilidade, mas por acúmulo: longas jornadas, múltiplos empregos e insegurança financeira constante.
O psicólogo Reinaldo Vieira, que acompanha o tema há anos, chama atenção para a dimensão do problema. “Estamos falando de profissionais que muitas vezes enfrentam longas jornadas e pouco reconhecimento social. Essa soma de fatores aumenta a carga de estresse, gera insegurança e pode evoluir para quadros de ansiedade, depressão e até síndrome de burnout”, afirma.
Para ele, a questão é estrutural. “Quando pensamos nos trabalhadores da base, precisamos reconhecer que eles carregam sobre os ombros uma rotina marcada por pressão constante, riscos no trabalho e alta rotatividade. Tudo isso não pesa apenas no corpo, mas também na mente e no coração. Ansiedade, estresse crônico, tristeza profunda e até burnout podem surgir quando falta apoio e valorização”, explica.
A economia urbana brasileira ainda opera sob uma geografia desigual da fadiga: quem está no topo administra o tempo; quem está na base o vende. E como a saúde mental é tratada como assunto individual, o sofrimento desses trabalhadores raramente ganha dimensão coletiva. “É comum o trabalhador carregar para o ambiente de trabalho problemas pessoais, contas atrasadas, dificuldades de relacionamento ou preocupações familiares. Isso vai se acumulando e, sem apoio adequado, pode comprometer o desempenho e até levar a afastamentos prolongados”, observa Vieira.
Na ausência de políticas públicas consistentes e de práticas empresariais voltadas à prevenção, o país normaliza o esgotamento como parte da rotina. Campanhas sazonais e discursos sobre “cuidado emocional” pouco alteram a realidade de quem vive sob o imperativo da sobrevivência.
“Quando a organização valoriza e acolhe, o profissional se sente visto, respeitado e motivado. Investir em pessoas e em suas famílias não é caridade — é desenvolvimento sustentável”, defende o psicólogo.
A saúde mental da classe de serviços revela muito mais que fadiga. Ela expõe um modelo de trabalho que prospera sobre a invisibilidade e consome, lentamente, aqueles que o sustentam. Reconhecer esse esgotamento não é apenas um gesto de empatia — é um ato de responsabilidade social.
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