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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
Letalidade

Operação Contenção expõe letalidade e falhas estruturais na segurança pública no Rio

Com mais de 130 mortos, a Operação Contenção é a mais letal da história do Rio de Janeiro e reacende o debate sobre a política de confronto e a falta de coordenação entre os governos estadual e federal

Anna Salgadopor Anna Salgado em 30 de outubro de 2025
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Operação Contenção mobilizou cerca de 2,5 mil agentes nos Complexos, com 132 mortos confirmados, segundo a Defensoria Pública do Rio | Foto: Tomaz Silva/ABr

A Operação Contenção, megaoperação policial conjunta das Polícias Civil e Militar, foi realizada nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, em 28 de outubro de 2025. A ação, que mobilizou cerca de 2,5 mil agentes das forças estaduais de segurança, teve como objetivo declarado combater a expansão territorial do Comando Vermelho (CV) e cumprir 100 mandados de prisão contra integrantes da facção.

A operação é considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro. O Governo do Estado confirmou 121 mortos – sendo 4 policiais e 117 suspeitos, segundo o secretário da Polícia Civil, Felipe Curi. Contudo, a Defensoria Pública do Rio informou que o número de mortos pode passar de 130, contabilizando 128 civis e 4 policiais, em um total de 132 vítimas. 

O governador Cláudio Castro (PL) defendeu a ação, ao classificá-la como “bem-sucedida” e um “sucesso”, ao declarar que “tirando a vida dos policiais, o resto da operação foi um sucesso”. A cúpula da segurança classificou o “dano colateral” como “muito pequeno” e afirmou que apenas quatro pessoas inocentes morreram durante a ação.

A letalidade da operação suscitou críticas de entidades e especialistas. A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) encaminhou ofícios com cobrança de explicações ao Ministério Público e às polícias Civil e Militar.

O sociólogo e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), José Claudio Souza Alves, afirma que o problema estrutural está no “comprometimento da estrutura de segurança pública do Estado” com as próprias engrenagens do crime. Alves aponta que a insistência no “discurso do bem contra o mal” e na política de confronto representa uma “imensa e gigantesca cortina de fumaça” que impede a compreensão da real profundidade do problema.

Para o professor da UFRRJ, o problema estrutural reside na ligação entre a segurança pública, o tráfico de drogas, as facções e as milícias. A persistência no discurso maniqueísta e na lógica do enfrentamento em áreas urbanas, afirma, é “suicídio” e “loucura”. 

Alves classifica a situação como uma “imensa e gigantesca cortina de fumaça” que cega a sociedade, especialmente enquanto o debate público é tomado pelo “palanque” erguido sobre a morte e pelo lema do “bandido bom é bandido morto”.

O uso da força letal pela polícia, contabilizado como Mortes Decorrentes de Intervenções Policiais (MDIP), representa uma parte das Mortes Violentas Intencionais (MVI).

Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025 (ABSP 2025), o Rio de Janeiro (RJ) registrou uma taxa de MVI de 20,3 por 100 mil habitantes em 2024. O índice de MDIP no Estado correspondeu a 18,5% do total de MVI.

Em contraste, Goiás registrou em 2024 uma taxa de MVI de 18,6 por 100 mil habitantes. A proporção de MDIP nas MVI foi de 27,5%. O Anuário ressalta que a persistência de altas taxas de letalidade policial é, em última instância, uma “decisão política e institucional das lideranças políticas”.

A operação acentuou o atrito entre os governos estadual e federal. O governador Cláudio Castro (PL) criticou a União por alegada falta de apoio, embora o Ministério da Justiça tenha rebatido, ao dizer que atendeu todas as solicitações para atuação da Força Nacional.

A coordenação da segurança pública enfrenta o desafio da “baixa capacidade de coordenação” por parte da União, que é responsável por apenas 14% do financiamento da segurança pública, enquanto os Estados respondem por 77% dos gastos.

A reportagem questionou a Secretaria Estadual de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO) sobre a efetividade desse tipo de ação no combate ao crime organizado e as lições para outras unidades da federação. “Não cabe a nós avaliarmos de longe a atuação das forças de segurança pública de outros Estados”, respondeu a SSP-GO.

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ONGs e especialistas classificaram a ação como “massacre” e “lambança político-operacional”, enquanto o governador Cláudio Castro defendeu o resultado como um “duro golpe” no crime organizado | Foto: Tomaz Silva / ABr

Operação supera Carandiru e expõe permanência da violência estatal no País

A megaoperação policial realizada nos Complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, resultou em um número de mortos que superou o Massacre do Carandiru. Ocorrido em 1992 em São Paulo, o episódio causou a morte de 111 presos. 

A Operação Contenção, que apresentou balanço oficial de 121 mortos, além da estimativa da Defensoria Pública, que aponta mais de 130 mortes, é considerada a mais letal da história do Estado e do País com envolvimento de policiais.

Enquanto o Massacre do Carandiru ocorreu dentro do sistema prisional e simboliza a violência institucional, a ação no Rio se deu em uma “área urbana, em confronto direto com o tráfico de drogas”.

Três décadas após essa ação, especialistas e ativistas questionam a efetividade e a mudança no combate ao crime organizado. O presidente da ONG Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, lamentou que o que há de novo neste episódio é “apenas a sua extensão, a quantidade de mortos”, mas a política de segurança pública é a mesma, com respostas que foram dadas “há 40, 50 anos atrás”. Costa pediu a “responsabilização do governador Cláudio Castro pela tragédia”.

O governador Cláudio Castro defendeu a megaoperação como “bem-sucedida” e um “duro golpe” na criminalidade, classificando-a como uma “operação contra narcoterroristas”. Castro afirmou que a ação foi planejada por seis meses e baseada em mais de um ano de investigações, com o aval do Poder Judiciário e acompanhamento do Ministério Público.

A lógica de confronto foi criticada por não conter o crime organizado. A deputada Dani Monteiro (PSOL) afirmou que o investimento na “lógica bélica de confronto” resulta em uma operação “que vitima a favela” e “só amplia o domínio das organizações criminosas”. 

A professora Jacqueline Muniz (UFF) classificou a operação como amadora e uma “lambança político-operacional. Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sugeriu que Castro será lembrado como o “governador da barbárie, da carnificina”.

O cenário da operação incluiu uma escalada de poder bélico, com criminosos do CV flagrados arremessando bombas por meio de drones. A estratégia policial envolveu a mobilização de helicópteros, blindados e 2,5 mil policiais. O plano, segundo o secretário da Polícia Militar, Marcelo de Menezes, era encurralar os criminosos na mata da Serra da Misericórdia, onde equipes do Bope já estavam posicionadas (o que Menezes chamou de “Muro do Bope”).

A operação gerou “caos” na cidade, com escolas e unidades de saúde fechadas. Moradores retiraram dezenas de corpos encontrados na mata da Serra da Misericórdia e levaram para a Praça São Lucas, na Penha, para facilitar o reconhecimento por parentes.

O Anuário indica que a violência letal se concentra em “jovens negros do sexo masculino” das periferias. A elevada letalidade policial no País sugere a “baixa prioridade conferida a políticas de controle do uso da força”. A Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj) condenou o “massacre”, ao defender a “desmilitarização das abordagens policiais nas favelas” e afirmar que “segurança se faz com presença do Estado, não com invasão”.

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Operação Contenção mobilizou cerca de 2,5 mil agentes nos Complexos, com 132 mortos confirmados, segundo a Defensoria Pública do Rio
| Foto: Tomaz Silva/ABr

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