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quinta-feira, 4 de dezembro de 2025
intercâmbio cultural

Goiânia Clandestina atravessa o Atlântico rumo a Moçambique

Coletivo literário da periferia goiana leva poesia, memória e resistência em intercâmbio cultural de vinte dias na África

Luana Avelarpor Luana Avelar em 31 de outubro de 2025
Goiânia Clandestina
Foto: Divulgação

Entre 15 de novembro e 5 de dezembro, seis artistas partem de Goiânia rumo a Moçambique. Mazinho Souza, Flávia Carolina, Helena Di Lorenza, Thaíse Monteiro, Rafael Vaz e Baale viajam juntos para uma temporada de apresentações, oficinas e rodas de conversa em diferentes cidades do país africano. Na bagagem, levam poemas, músicas e narrativas nascidas nas periferias de Goiás. A viagem, contemplada pelo edital público Goiás Mundo Afora, não se limita a uma agenda cultural: é também um gesto de retorno às raízes que ligam Brasil e África pela palavra, pela música e pela memória.

O Goiânia Clandestina nasceu em 2016 em um contexto de exclusão. A cena literária goiana ainda se mantinha restrita a circuitos fechados, pouco permeáveis às vozes das quebradas. Foi dessa lacuna que surgiu a iniciativa de Mazinho Souza, poeta e agitador cultural. “A criação do Goiânia Clandestina surgiu da urgência em publicar e difundir novas vozes que estavam produzindo poesia e arte nas margens da cidade — vozes potentes, mas silenciadas pelos filtros e estruturas do mercado cultural” afirma. “O coletivo surge como um grito e um abrigo — para afirmar que a arte também vive nas quebradas, nas calçadas, nos becos e nas vozes que o sistema insiste em calar”.

Uma cena criada na margem

Da primeira oficina de escrita criativa no Teatro Cidade Livre, em Aparecida de Goiânia, até o lançamento das Antologias Clandestinas (2017 e 2021), passando por festivais, simpósios e a criação da Escola de Escritores, o coletivo consolidou-se como espaço de invenção e circulação de vozes silenciadas. O caminho foi pavimentado com improviso e escassez, mas também com persistência. “O maior desafio sempre foi resistir à falta de recursos, à ausência de políticas públicas contínuas, ao apagamento das expressões culturais periféricas” diz o fundador. “Mesmo em momentos de escassez, a força do coletivo esteve na união dos corpos e das vozes. O Goiânia Clandestina aprendeu a transformar precariedade em invenção. Cada sarau feito na rua, cada livro lançado de forma independente, cada apresentação feita no improviso é uma prova de que a arte não morre quando nasce do povo — ela floresce no meio do concreto”.

Essa resistência agora atravessa o oceano. Para o grupo, estar em Moçambique não significa apenas ocupar novos palcos, mas reencontrar vínculos culturais que sustentam sua própria prática. O princípio africano do Sankofa orienta o gesto: olhar para o passado para compreender o presente e projetar o futuro. “Esse encontro é, antes de tudo, um retorno simbólico à casa. Ir a Moçambique é uma travessia espiritual e política” afirma o poeta. “A literatura periférica brasileira carrega em si os ecos da diáspora. Ao se encontrar com a tradição moçambicana, ela se reconhece, se refaz e se fortalece. É o Atlântico deixando de ser ferida para se tornar ponte”.

Preparação do Goiânia Clandestina 

Meses de ensaios e trocas resultaram em um repertório que reúne poemas de resistência, memórias afro-indígenas e linguagens diversas: samba, cordel, slam, capoeira e ladainhas. O grupo se preparou para levar ao público moçambicano não apenas um espetáculo, mas uma experiência de partilha. “É um repertório que busca o encontro: um gesto de escuta e partilha, não de imposição. Queremos aprender tanto quanto ensinar” resume o idealizador.

Vozes em travessia

Entre os seis integrantes, a cantora e compositora Flávia Carolina vive expectativas singulares. Admiradora do coletivo desde o início, só passou a se reconhecer como poeta quando foi convidada a se apresentar. “Sou uma admiradora do Goiânia Clandestina, sempre ia nos eventos. Me reconhecia como compositora não como poeta, um dia Mazinho me falou que eu fazia poesia, mas era cantando, então me convidou para apresentar em um sarau, e desde então estou aí, fazendo música, poesia e acreditando na força desse coletivo”.

Para ela, a viagem marca também sua primeira saída do Brasil. “Estou feliz com a possibilidade de trocar com outras pessoas, conhecer outros artistas que usam a palavra como ferramenta”. A convivência do grupo em outro país é vista como oportunidade de fortalecimento. “Diz os antigos que só se conhece alguém depois de comer um quilo de sal. Acho que vai ser bom pra fortalecer os elos”.

Flávia acrescenta que o encontro com Moçambique deve revelar proximidades entre margens distantes. “Acredito muito que periferia é periferia em qualquer lugar, e dialogar sobre nossas familiaridades, traçar rotas para erguer nossas vozes é meu desejo”.

A palavra como ponte

A circulação internacional amplia o horizonte da literatura periférica, antes restrita a circuitos locais. “Quando levamos nossa arte para fora, estamos dizendo ao mundo que o que se produz nas margens também é literatura, também é arte, também é potência” , observa Mazinho. “Essa circulação internacional nos permite mostrar que a periferia não é um lugar de ausência, mas de criação”.

De volta a Goiás, o coletivo projeta transformar a experiência em novas obras, consolidar parcerias e criar um circuito afro-diaspórico que conecte Goiânia, outras periferias brasileiras e países africanos de língua portuguesa.

“O Goiânia Clandestina vai continuar sendo o que sempre foi: um território de invenção, afeto e luta — um lugar onde a palavra é arma e abrigo” conclui o fundador.

Goiânia Clandestina
Integrantes do Goiânia Clandestina embarcam para Moçambique em temporada de vinte dias, levando repertório inédito de poesia, música e oficinas. Foto: Divulgação

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