Furto no IHG-DF expõe fragilidade na segurança e ameaça preservação histórica de Brasília
Marcelo Cardoso da Silva, zelador há duas décadas no Instituto, acompanhou o furto à distância
Uma câmera de vigilância instalada em 2020 no teto da sala de exposições do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF) registrou apenas parte do furto ocorrido na madrugada desta sexta-feira (14). Dois dias antes, uma tentativa de invasão já havia sido frustrada. Desta vez, porém, a ação criminosa se estendeu por cerca de duas horas e resultou no desaparecimento de peças de relevância histórica para Brasília. O episódio expõe não apenas o crime em si, mas uma deficiência estrutural recorrente: falta de recursos, falhas de manutenção, vigilância precária e pouco investimento na preservação de acervos.
Marcelo Cardoso da Silva, zelador há duas décadas no Instituto, acompanhou a invasão à distância. Ele e a esposa trabalham no local e residem em São Sebastião, fazendo juntos o trajeto diário. Mesmo fora do expediente, Marcelo monitora pelo celular as câmeras antigas do museu. Às 4h26 da manhã, recebeu um alerta de movimentação suspeita. Ao acessar as imagens, viu um homem vestindo bermuda, regata e chinelos tentando arrombar a porta que dá acesso à biblioteca e à sala dos servidores. De imediato, avisou a direção.
Nesse momento, o invasor, ainda não identificado, já havia atravessado o salão de exposições, que reúne mais de 500 peças. O espaço é rodeado por janelas e possui uma porta de vidro discreta, com tranca localizada na parte inferior, pouco visível para quem desconhece a estrutura. Para alcançá-la, o suspeito precisou pular uma grade externa.
O primeiro levantamento apontou o furto de 20 medalhas, entre elas seis peças comemorativas da instalação dos três Poderes, presentes enviados por chefes de Estado de países como Paraguai, Portugal, Cuba, México e Indonésia. Também foi levada uma máquina de cortar cerca usada pelo engenheiro Joffre Mozart Parada, figura importante na construção de Brasília. Durante a retirada do equipamento, o invasor se feriu, deixando manchas de sangue no piso, material que poderá auxiliar as investigações.

O diretor do IHG-DF, Filipe Oliveira, destacou que os itens não possuem alto valor financeiro, mas carregam grande peso histórico. Para ele, o furto evidencia a vulnerabilidade enfrentada por instituições culturais no país. “Não é um problema isolado. Falta estrutura, falta recurso. É um retrato de uma situação que atinge diversos museus”, afirmou.
As imagens analisadas por Marcelo mostram o suspeito tentando forçar o acesso a áreas mais restritas. Caso tivesse conseguido, afirma o presidente do Instituto, José Theodoro Menck, o invasor teria alcançado documentos de valor inestimável, como a coleção da concessão Marechal José Pessoa e acervos do pesquisador Adirson Vasconcelos. Peritos criminais e papiloscopistas estiveram no local durante a manhã para coletar vestígios. Até o fechamento desta edição, ninguém havia sido detido.
Valoração dos bens
Fundado em 1964 por iniciativa do então presidente Juscelino Kubitschek, o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHG-DF) é uma entidade privada, sem fins lucrativos, e reconhecida como de utilidade pública federal. O espaço, que recebe anualmente entre 6 e 7 mil estudantes, funciona também como centro de formação para professores de história e geografia.
Com orçamento limitado, o Instituto mantém suas atividades graças às contribuições de associados e, eventualmente, a recursos provenientes de emendas parlamentares e convênios governamentais. As verbas são destinadas ao custeio de despesas administrativas, pagamento de funcionários, aquisição de materiais, além de serviços essenciais como energia elétrica e internet.
Em 2024, o museu obteve R$ 1,2 milhão do Governo do Distrito Federal, por meio da Secretaria de Cultura. Parte do montante permitiu a contratação de um vigilante noturno, mas o serviço foi interrompido em julho, após o contingenciamento de recursos, levando à suspensão do pagamento e à saída do profissional. “A contribuição dos associados não cobre sequer um terço das despesas. Por isso, há uma legislação que autoriza o GDF a financiar até 90% dos custos do Memorial JK, da Catedral e também do IHG-DF”, explicou o vice-presidente da instituição, Paulo Fernando.
Ao longo dos 20 anos em que trabalha no local, esta é apenas a segunda invasão registrada pelo zelador Marcelo Cardoso. A primeira ocorreu durante a pandemia, quando um violão exposto na obra que representa a Casa de Diamantina, de Kubitschek, foi levado por um intruso.
Para avançar na valoração oficial do acervo, o Instituto busca apoio por meio de emendas parlamentares e de uma parceria em desenvolvimento com a Universidade de Brasília (UnB). A expectativa é contar com cerca de R$ 600 mil para financiar o processo. “Esses estofados são do primeiro cinema de Brasília. Mas não sabemos o valor exato, por exemplo, e veja como são preservados”, observou um dos diretores, apontando para as poltronas bege expostas no salão.