Decisão contra adensamento expõe falhas no planejamento de Goiânia
Artigo da lei municipal que liberava construções na avenida é declarado nulo após MP-GO comprovar falta de estudos essenciais
A decisão que anulou o artigo da Lei Complementar nº 379/2024 e barrou o adensamento urbano nas faixas bilaterais da Avenida Fued José Sebba, em Goiânia, abriu um novo capítulo no debate sobre planejamento urbano na Capital.
Após o Ministério Público de Goiás (MP-GO) demonstrar que a emenda “jabuti”, que não tem relação com o texto, em um projeto de Habitação de Interesse Social foi aprovada sem qualquer estudo técnico obrigatório. Especialistas agora alertam para os impactos que a autorização irregular poderia ter causado em uma das regiões mais sensíveis da cidade.
A sentença, proferida pela juíza Simone Monteiro, da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, confirmou que o dispositivo era inconstitucional e determinou que a prefeitura se abstenha de aprovar qualquer obra em um raio de 350 metros da via.
O texto di adensamento foi classificado pelo MP-GO como um ato administrativo travestido de lei, pois alterava de maneira pontual e concreta o regime urbanístico sem embasamento técnico. A própria Secretaria Municipal de Planejamento admitiu no processo que não havia produzido EIV, EIT, EIA ou RIT, estudos indispensáveis para qualquer flexibilização de regras em áreas estratégicas.
A decisão a anulação do adensamento também ressalta que a Avenida Fued José Sebba sequer atende aos critérios para ser considerada área adensável, conforme o Plano Diretor. Na prática, a emenda permitia a construção de grandes empreendimentos ao longo de um eixo já saturado por equipamentos públicos como Saneago, Ministério Público e Serra Dourada, além da PUC e do complexo Flamboyant.
Urbanistas explicam sobre o adensamento
Para o urbanista Fred Le Blue, ouvido pela reportagem, a ausência de estudos tornava a medida um risco direto ao ambiente urbano. “A falta de planejamento onera o usuário do espaço público e aumenta a vulnerabilidade da região. Esses estudos não são burocracia: são mecanismos de proteção”, alerta.
Entre os principais problemas apontados pelos especialistas está o impacto sobre o trânsito. A Fued José Sebba funciona como uma das alças mais relevantes de conexão com a BR-153 e com grandes polos de atração.
Segundo Le Blue, um adensamento sem análise prévia poderia levar ao colapso viário. “A avenida já opera no limite. Qualquer aumento na densidade comprometeria o fluxo e criaria gargalos irreversíveis. A drenagem também seria afetada, ampliando a sobrecarga na Marginal Botafogo, que já está no limite máximo”, explica.
Os impactos ambientais também preocupam. O urbanista lembra que o horizonte urbano é parte do meio ambiente protegido. O excesso de verticalização em áreas já densas reduz a ventilação, bloqueia corredores de vento e compromete a saúde mental dos moradores.
“Quando arranha-céus são construídos de forma muito próxima, as pessoas tendem a sentir claustrofobia e isolamento. O direito à paisagem também é direito ambiental”, afirma.
Além dos efeitos diretos, decisões pontuais como a da emenda jabuti comprometem toda a lógica do planejamento urbano. O especialista afirma que, quando regras consolidadas são alteradas sem discussão técnica, abre-se precedente para a fragmentação das políticas públicas e para o avanço de interesses particulares sobre diretrizes coletivas. “Cada prédio construído sem planejamento é um pedaço do céu e do solo perdido. Esses danos não são reversíveis”, destaca Le Blue.
A Câmara Municipal argumenta que a votação da emenda respeitou os trâmites formais e contou com audiências públicas. Já a prefeitura informou que ainda não foi notificada da decisão. Para o MP-GO, porém, a sentença reafirma que política urbana não pode ser definida sem base científica. Com a decisão agora definitiva em primeira instância, novas liberações de obras permanecem suspensas e construções aprovadas com base na emenda seguem paralisadas.
A discussão, no entanto, está longe de terminar. Urbanistas consideram a anulação do adensamento uma vitória, mas alertam que o episódio revela fragilidades no sistema de planejamento e expõe a necessidade de maior rigor técnico e transparência.
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