Goiás alcança recorde de escolaridade, mas encara o paradoxo da qualificação prática
Estado atinge recorde histórico de escolaridade entre ocupados, mas enfrenta um “apagão de competências” em meio à automação e às novas exigências digitais
O mercado de trabalho de Goiás vivenciou uma mudança estrutural significativa na última década, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua): Características Adicionais do Mercado de Trabalho 2024, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Goiás atingiu um recorde de escolaridade formal entre a população ocupada.
Em pouco mais de uma década, a participação de pessoas ocupadas com ensino superior completo saltou de 11,8% para 21,6%, representando um aumento de 1,8 vez. Outras análises indicam que a proporção de ocupados com ensino superior quase dobrou em 11 anos, passando de 11,9% em 2013 para 21,7% em 2024, totalizando cerca de 833 mil trabalhadores. Este crescimento consolidou Goiás como um dos mercados de trabalho mais dinâmicos do País em 2024.
A elevação do nível de instrução é acompanhada pela queda expressiva da baixa escolaridade em Goiás. A fatia de trabalhadores sem instrução ou com fundamental incompleto recuou de 32,6% em 2012 para 18,9% em 2024, tornando-se o menor grupo em representatividade no mercado goiano.
Davi Braga, fundador de um ecossistema de educação para negócios, avalia que, do ponto de vista formal, Goiás atingiu o maior patamar de escolarização no papel desde o início da série histórica. No entanto, ele aponta um paradoxo: mesmo com o dobro de diplomas no mercado, as empresas continuam relatando dificuldade para preencher vagas estratégicas.
O desafio deixou de ser o acesso ao ensino e passou a ser a qualificação prática e a pertinência em Goiás. Os números do IBGE evidenciam um descompasso entre o currículo e a realidade. Enquanto a formação acadêmica avançou linearmente, as exigências do mercado, impulsionadas por automação, gestão baseada em dados e Inteligência Artificial (IA), cresceram de maneira exponencial.
Profissionais formados com currículos antigos frequentemente tentam operar em empresas que mudam a cada seis meses. Funções antes apenas operacionais agora exigem domínio de ferramentas digitais, leitura de dashboards e soft skills de negociação. Sem isso, o diploma se torna apenas um certificado de teoria, não de prontidão.
O maior grupo da força de trabalho em Goiás é composto por pessoas com ensino médio completo ou superior incompleto, representando 44,9% dos ocupados em 2024, avanço de 10 a 10,1 pontos percentuais em 11 anos. Braga classifica esse grupo como o “público crítico” da economia, pois são trabalhadores já empregados, com base educacional, que precisam do “último quilômetro” de qualificação para aumentar produtividade e renda.
Além do salto educacional, Goiás avançou na formalização e modernização das relações de trabalho. Goiás atingiu 260 mil autônomos com CNPJ, aumento de 41 mil em relação a 2023, mais que o dobro desde 2018. Com 30% dos trabalhadores por conta própria formalizados, Goiás ocupa a 7ª posição nacional, acima da média de 25,7%.
Em relação ao local de trabalho, 19,3% dos trabalhadores atuam externamente em locais designados pelo empregador, acima da média nacional (14,2%), e 7,7% trabalham em domicílio. A ocupação em fazendas e sítios segue em retração devido à urbanização e mecanização. Estruturalmente, a participação relativa de pequenos negócios diminuiu levemente, de 49,2% para 47,5%, enquanto empresas de médio e grande porte cresceram, empregando 1,48 milhão de pessoas.
A pesquisa também aponta baixa adesão sindical, com apenas 4,6% das pessoas de 14 anos ou mais associadas a sindicatos em 2024, terceiro menor percentual do País, superando apenas Rondônia (4,0%) e Rio de Janeiro (4,5%).

O retrato nacional da educação superior e as desigualdades regionais
O aumento da escolaridade observado em Goiás integra um contexto mais amplo de avanço educacional no Brasil, conforme o Censo Demográfico 2022 do IBGE. Entre a população de 25 anos ou mais, a proporção de pessoas com ensino superior completo cresceu 2,7 vezes entre 2000 e 2022, alcançando 18,4%. No mesmo período, a parcela de pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto caiu de 63,2% para 35,2%, evidenciando a expansão do acesso à educação básica.
Outro segmento que apresentou crescimento significativo foi o de indivíduos com ensino médio completo ou superior incompleto, passando de 16,3% para 32,2% da população com 25 anos ou mais. Esses números reforçam o avanço educacional nacional, ainda que haja desafios quanto à aplicação prática do conhecimento adquirido.
Apesar do aumento da população com nível superior em todos os grupos de cor ou raça, persistem diferenças expressivas. Entre 2000 e 2022, a proporção de pretos com ensino superior completo subiu 5,8 vezes, de 2,1% para 11,7%, enquanto a população parda aumentou 5,2 vezes, de 2,4% para 12,3%. No entanto, o grupo branco, que cresceu 2,6 vezes, atingiu 25,8%, valor mais que o dobro dos pretos ou pardos.
A população amarela se destaca com 44,1% de nível superior completo e a menor proporção de baixa escolaridade (17,6%). Em contraste, a população indígena apresenta o menor índice de formação, com apenas 8,6% com superior completo e 51,8% sem instrução ou com fundamental incompleto. A média nacional de anos de estudo em 2022 era de 9,6 anos, variando por grupo racial: amarela (12,2), branca (10,5), parda (8,8), preta (8,7) e indígena (7,4).
Em 2022, mulheres de 25 anos ou mais demonstraram melhor escolaridade média que os homens: 20,7% possuíam nível superior completo, contra 15,8% entre os homens. Quanto à regionalidade, o Distrito Federal liderou com 37,0% da população adulta com superior completo e registrou a menor proporção de baixa escolaridade (19,2%), seguido por São Paulo (23,3%).
O Maranhão teve a menor proporção de ensino superior (11,1%) e o Piauí a maior parcela sem instrução ou fundamental incompleto. Entre municípios com mais de 100 mil habitantes, São Caetano do Sul (SP) destacou-se pela maior proporção de graduados e média de anos de estudo de 12,7.
Áreas de formação e desigualdade
O Censo também evidencia a concentração por áreas de formação. Em 2022, o Brasil contava com cerca de 2,5 milhões de graduados em Direito e 553,5 mil em Medicina. Nessas áreas, predomina a população branca: 75,5% dos médicos e 47,2% dos profissionais de Serviço Social.
A formação em Serviço Social apresentou a maior participação feminina, com 93% das graduadas, enquanto Engenharia Mecânica e Metalurgia tiveram apenas 7,4% de mulheres formadas, mostrando desigualdade de gênero persistente em cursos tecnológicos e engenharias.
O avanço da escolaridade, embora evidente, não garante plena preparação prática para o mercado. A metáfora do “mapa da cidade” ilustra essa situação: o diploma representa a estrada que leva à cidade moderna, mas não fornece o mapa interno atualizado. As empresas, portanto, têm papel central em fornecer treinamento ágil e prático, permitindo que trabalhadores convertam conhecimento acadêmico em desempenho efetivo diante das mudanças tecnológicas constantes.
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