Acidentes em treino e acrobacias expõem riscos e reforçam alerta por supervisão técnica
Duas mortes, uma em academia em Olinda e outra em praça de Goiânia, reacendem o debate sobre a importância de orientação profissional
Dois acidentes que terminaram em tragedias recentes envolvendo a prática de atividades físicas, uma em uma academia de Olinda (PE) e outra em uma praça de Goiânia, acenderam um alerta nacional sobre a urgência de supervisão qualificada, técnica adequada e consciência dos riscos envolvidos.
Especialistas em educação física e medicina de urgência e trauma reforçam que a segurança deve ser o alicerce de qualquer treino, sobretudo quando se trata de exercícios de maior complexidade ou acrobacias realizadas sem acompanhamento. A execução incorreta, alertam, pode resultar em lesões neurológicas irreversíveis ou até mesmo em morte.
O ortopedista Murilo Daher, acrescenta que, no cotidiano dos exercícios, as lesões mais comuns são distensões musculares, tendinites e lombalgias, afetando principalmente joelhos, coluna, ombros e quadris. Segundo ele, “o bom senso é essencial: muitas lesões acontecem quando se aumenta a demanda sem que o corpo tenha capacidade de tolerar. Iniciantes exageram na carga ou na intensidade, e isso gera lesões evitáveis. O ideal é ter orientação profissional desde o início”.
Em Olinda, Ronald José Salvador Montenegro, de 55 anos, morreu após ser atingido pela barra de supino em uma academia. O acidente ocorreu na última segunda-feira (1º), quando a barra de ferro escorregou de sua mão e atingiu seu tórax. Ronald era presidente do Palácio dos Bonecos Gigantes de Olinda.
Segundo especialistas em educação física, a causa da falha pode estar relacionada à técnica utilizada pelo aluno: a chamada “pegada aberta” ou “pegada suicida/falsa”. Nessa técnica, o polegar não envolve a barra, ficando junto aos outros dedos na parte traseira, o que permite que o equipamento escape para a frente e caia.
O Conselho Federal de Educação Física (Confef), explica que essa pegada é desencorajada para o público em geral, sendo utilizada apenas por pessoas altamente treinadas, devido ao grande perigo.
O Confef aponta que, embora a tragédia de óbito tenha tido grande evidência, acidentes no supino, de menor gravidade, são rotineiros em academias. Por isso, o supino reto é um aparelho que exige cuidado e supervisão constante. A pegada recomendada para o público geral é a fechada, em arco, onde o polegar contorna e fica ativo na barra. Além da pegada, a segurança exige que o praticante mantenha o punho em neutro, alinhado ao antebraço, e que o cotovelo fique exatamente embaixo da barra durante a flexão.
A morte de Ronald, que ocorreu um dia após o impacto, sugere o desenvolvimento de complicações associadas ao trauma torácico. A medicina aponta que o tórax é uma área de extrema vulnerabilidade, pois protege órgãos nobres como o coração, os pulmões e os grandes vasos. Lesões nessas estruturas podem impactar drasticamente a vítima, sendo que, dependendo da ruptura, a morte pode ser imediata.
A maioria das lesões traumáticas por impacto, como a causada pela barra de supino, tende a afetar a Zona 2, que se estende do terceiro ao nono arco costal. As complicações mais comuns nessa área incluem condições graves como pneumotórax, hemotórax maciço, contusão pulmonar e tórax instável.
Em casos de contusão pulmonar grave, por exemplo, o paciente sofre microrrupturas de vasos, aumentando o risco de infecções e, em situações de ventilação insuficiente, pode levar à necessidade de intubação.
Tentativa de acrobacia em praça de Goiânia termina em tragédia
A necessidade de atenção extrema não se limita à academia. Em Goiânia, Ronivon Almeida da Silva, de 39 anos, morreu após tentar realizar um salto mortal em uma praça, um tipo de acrobacia que os bombeiros alertam sobre os riscos de morte.
Ronivon, que brincava com o filho de 11 anos, realizou a acrobacia em um banco e caiu sobre o pescoço. Ele conseguiu avisar que havia machucado o pescoço no acidente antes de perder a consciência.
Após o acidente, o rapaz apresentou início de uma parada cardiorrespiratória (PCR). Ele foi socorrido inicialmente por um bombeiro de folga e depois por uma viatura de suporte avançado com médico e enfermeiro. Mesmo com a aplicação de massagem cardíaca e atendimentos, ele não resistiu.
O neurocirurgião especialista em coluna, Túlio Rocha, reforça que lesões cervicais decorrentes de quedas são consideradas extremamente graves e exigem respostas rápidas e precisas. Segundo ele, o primeiro procedimento é a imobilização imediata da cabeça e do pescoço, realizada manualmente por quem presta o atendimento inicial, enquanto o socorro especializado é acionado.
Essa etapa é decisiva, explica, porque o simples movimento de um osso fraturado pode comprimir ou até seccionar a medula espinhal, provocando danos neurológicos permanentes, como paralisia.
Rocha destaca que, no ambiente pré-hospitalar, a decisão de imobilizar é tomada de forma instantânea, baseada no mecanismo do trauma, justamente para evitar lesões secundárias. “A medula é extremamente sensível. Qualquer angulação indevida pode agravar o quadro de forma irreversível”, afirma.
O médico também explica que os sinais clínicos de risco de parada cardiorrespiratória após um trauma estão frequentemente associados a dificuldades respiratórias. No caso de Ronivon, que evoluiu para PCR, cada segundo foi determinante.
De acordo com o especialista, a rapidez no início da massagem cardíaca e na chegada do suporte avançado aumenta diretamente as chances de sobrevivência e de um desfecho neurológico favorável. Ele ressalta que atrasos de apenas um minuto podem reduzir significativamente essas probabilidades. Ainda assim, pondera que, em acidentes graves, o risco de óbito permanece alto, mesmo quando o atendimento é ágil, pois tudo depende da gravidade e da natureza das lesões iniciais.
Em face desses acidentes, o Conselho Regional de Educação Física (CREF) reforça que a prática de exercícios deve ser realizada conforme a prescrição de um profissional habilitado, respeitando a progressão de carga e as recomendações de execução técnica.
O Confef complementa que o homem vítima do supino estava provavelmente usando uma carga entre 70 kg e 80 kg, um peso que não é para iniciantes. A técnica adequada, a supervisão profissional e a progressão consciente de carga são pilares essenciais para uma prática segura e sem acidentes.
Em suma, a busca pela saúde e pela força exige uma postura proativa em relação à segurança. Como lembra o neurocirurgião, acidentes com trauma grave, a diferença entre a vida e a morte, ou entre a recuperação total e o dano neurológico permanente, está na rapidez e na adequação dos primeiros socorros e do suporte avançado.
Cinco cuidados para evitar acidentes:
- Use travas de segurança: Ajuste pinos ou barras de segurança, se disponíveis, a uma altura ligeiramente abaixo da do peito, servindo como apoio em caso de falha.
- Pegada fechada: No supino, utilize sempre a pegada fechada (o polegar envolvendo toda a barra), pois a “pegada falsa” eleva significativamente o risco de acidentes.
- Peça ajuda: Não hesite em solicitar o auxílio de um instrutor ou parceiro de treino para intervir rapidamente em séries mais pesadas.
- Priorize a técnica: A execução correta é mais importante do que a carga, minimizando a sobrecarga articular e o risco de falhas.
- Imobilize em caso de trauma cervical: Como visto no acidente do salto mortal, no trauma de pescoço, o primeiro passo, antes de qualquer transporte inadequado, é a imobilização manual da cabeça e pescoço e o acionamento imediato do socorro especializado (SAMU/Bombeiros).
Fontes: Conselho Federal de Educação Física e Túlio Rocha
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