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quarta-feira, 10 de dezembro de 2025
Problema antigo

“A Marginal não é segura nem com céu aberto”, alerta urbanista após novo colapso

Chuvas intensas, falhas estruturais e histórico de alertas ignorados revelam fragilidade da via

Renata Ferrazpor Renata Ferraz em 10 de dezembro de 2025
Marginal
Gabriel Louza_O HOJE

Goiânia iniciou mais uma semana sob alerta de alagamentos e instabilidade geológica. Após o forte temporal de sábado (6), que ultrapassou 100 milímetros de chuva em poucas horas, a Marginal Botafogo voltou a ser interditada na segunda-feira, 8 de dezembro. 

Mesmo com equipes em operação desde os primeiros minutos da enxurrada, o trecho próximo à Avenida Jamel Cecílio apresentou novo desgaste, o que reforça um problema que já se tornou crônico no período chuvoso.

Assim que a chuva começou, o Gabinete de Crise Climática acionou barreiras, alertou motoristas por SMS e mobilizou Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Guarda Civil Metropolitana e a Secretaria Municipal de Engenharia de Trânsito (SET). 

A prefeitura afirmou ter restabelecido a normalidade rapidamente em boa parte da cidade, mas a Marginal, mais uma vez, seguiu o padrão de colapso. O prefeito Sandro Mabel (UB) acompanhou as equipes e reafirmou o que já declarou em outras ocasiões: “Essa Marginal Botafogo não tem jeito sem uma grande obra”.

Os danos observados no trecho da Jamel Cecílio reforçam alertas que especialistas apresentam há anos. O urbanista Fred Le Blue explica que a Marginal já nasceu com fragilidades. Idealizada no fim dos anos 1980, a obra seguiu a lógica da época: canalizar córregos e construir avenidas rápidas. 

Porém, sem cultura de drenagem sustentável, áreas de infiltração foram substituídas por concreto e os canais ficaram estreitos demais para comportar o volume atual de chuvas. Com o crescimento urbano acelerado, esse modelo se tornou ainda mais incompatível com a realidade da cidade.

Entre 2019 e 2023, a via foi interditada pelo menos 40 vezes por enchentes, erosões e riscos de desabamento. Para Le Blue, fissuras recorrentes em pontes e canais revelam desgaste profundo do concreto e possibilidade real de colapso estrutural. 

“A Marginal não é segura nem com céu aberto. Sem estudos estruturais atualizados, qualquer chuva mais intensa ameaça comprometer pilares e canalizações”, afirma. O urbanista ressalta que o próprio histórico de manutenção fragmentada demonstra que o problema é estrutural, não episódico.

O especialista lembra ainda que a ocupação desordenada das margens do Ribeirão Botafogo agravou o cenário. Áreas que deveriam absorver água viraram estacionamentos, edificações e avenidas. 

“A calha não corresponde ao tamanho do telhado. A água não tem para onde ir”, diz. Ele acrescenta que, sem a recomposição de áreas verdes e espaços de retenção, o ribeirão continuará recebendo volumes acima de sua capacidade, transformando a Marginal em um corredor permanente de risco.

Alertas ignorados: O HOJE antecipou riscos antes do colapso

Antes mesmo do colapso de 6 de dezembro, o jornal O HOJE já havia alertado para os riscos enfrentados pela Marginal Botafogo. Em setembro, após outro temporal que deixou Goiânia em situação crítica, a reportagem do jornal demonstrou, com apoio de especialistas, que a via apresentava sinais claros de fadiga estrutural. Na época, a prefeitura anunciou a intenção de comprar um radar meteorológico de R$ 20 milhões para antecipar chuvas severas.

Apesar do avanço tecnológico, urbanistas reforçaram que o radar teria efeito limitado diante do problema central: a falta de permeabilidade do solo e a drenagem insuficiente. “O radar ajuda a avisar, mas não impede que o desastre aconteça”, destacou o urbanista Le Blue. 

Naquele mês, o especialista afirmou que a Marginal deveria ser totalmente interditada até que avaliações técnicas concluíssem se as chuvas anteriores comprometeram a canalização, um alerta que, agora, ganha ainda mais relevância diante do cenário de colapso.

O HOJE também mostrou que, ao longo das últimas décadas, intervenções essenciais como dissipadores de energia, áreas permanentes de retenção e reforços estruturais das paredes do canal nunca foram concluídas de forma integral. Técnicos entrevistados à época afirmaram que as sucessivas administrações municipais acabaram priorizando obras estéticas e paliativas, ignorando pontos críticos já identificados em laudos antigos.

A situação se agravou com o aumento acelerado da impermeabilização na bacia da Botafogo. Novos prédios, avenidas asfaltadas, estacionamentos e loteamentos reduziram drasticamente a capacidade de infiltração da água da chuva. 

Com isso, qualquer precipitação entre 25 e 35 milímetros já se torna suficiente para provocar alagamentos e interdições, um cenário cada vez mais frequente e previsível. Especialistas alertam que, sem obras estruturais profundas, a tendência é que episódios como o colapso de dezembro ocorram em intervalos cada vez menores, colocando motoristas, moradores e comércios em risco permanente.

Piscinões, cancelas e obra de R$ 120 mi: solução ou paliativo?

Diante da repetição dos colapsos, o prefeito Sandro Mabel anunciou um pacote de intervenções de R$ 120 milhões que prevê dois grandes piscinões, instalação de cancelas automáticas na entrada da Marginal e readequações na drenagem. 

Um reservatório será construído no complexo viário do Estádio Serra Dourada e o outro próximo ao Parque Areião. A expectativa é que as obras permitam reter parte da água da chuva antes que ela avance com força para os trechos mais críticos.

Técnicos da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra) afirmam que as obras devem começar ainda no primeiro semestre de 2026, caso o processo emergencial seja aprovado, e que intervenções pontuais podem ocorrer enquanto os piscinões não ficam prontos.

A prefeitura deve procurar o Tribunal de Contas do Município para executar a obra em caráter emergencial, diante dos riscos contínuos de alagamento. Contudo, especialistas ponderam que piscinões podem amenizar o impacto, mas não resolver por completo a fragilidade estrutural.

“Quando a solução tenta apenas esconder o rio, ela costuma gerar novos problemas”, afirma Le Blue. Para ele, Goiânia precisa combinar obras com soluções ambientais, como jardins de chuva, renaturalização do ribeirão, retomada de áreas permeáveis e criação de parques lineares. “Só a ambientalização do meio urbano permitirá que a água siga seu ciclo sem comprometer a vida humana.”

O diagnóstico é claro para o especialista, se nada for feito de forma permanente e integrada, a Marginal Botafogo tende a se tornar inoperável nos próximos anos. O risco de ruptura aumenta a cada temporada chuvosa e, com as mudanças climáticas, os volumes extremos devem se intensificar.

Enquanto a drenagem continua insuficiente e a via permanece sobre área naturalmente vulnerável, motoristas, comerciantes e moradores seguem expostos. Goiânia vive, portanto, entre o improviso e a urgência de uma reestruturação profunda na Marginal Botafogo.

Leia mais:  Estudos revelam por que a Marginal Botafogo continua alagando há décadas em Goiânia

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