Brasil registra recorde de acesso à internet, mas desigualdade digital persiste
Embora 86% dos domicílios estejam conectados a internet, milhões de brasileiros seguem limitados por renda, escolaridade e acesso precário à rede
O Brasil celebra um marco histórico na conectividade: em 2025, 86% dos domicílios já possuíam acesso à internet, o que representa cerca de 157 milhões de usuários diretos, ou 163 milhões se considerados aqueles que acessam indiretamente por meio de aplicativos.
Esse avanço, impulsionado pela expansão em todas as classes sociais, consolidou o País em um patamar de alta penetração digital. No entanto, a euforia dos números recordes é mitigada pela persistência de uma acentuada desigualdade social onde a qualidade do acesso e o tipo de conteúdo consumido estão intrinsecamente ligados à renda familiar e, de forma crucial, ao nível de instrução dos indivíduos.
Os dados da Pesquisa TIC Domicílios 2025, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), confirmam que o salto de conectividade foi mais expressivo entre os grupos mais vulneráveis. Para as classes D e E, o acesso subiu de 15% em 2015 para 73% em 2025.
Apesar do notável crescimento, o abismo digital persiste. Enquanto o acesso é quase universal nas classes A (99%) e B (95%), ele cai para 86% na classe C e se restringe a 73% nas classes D e E, o que significa que um quarto dos brasileiros mais pobres ainda está desconectado.
A desigualdade se manifesta não apenas na ausência de rede, mas na sua qualidade e no modo de uso. Para a população de baixa renda, o acesso é predominantemente limitado, sendo que cerca de 87% dos usuários das classes D e E utilizam a rede somente por meio de aparelhos de telefone celular. A falta de computadores e roteadores domésticos, comuns nas classes mais altas, impõe restrições.
Além disso, a prevalência de planos pré-pagos nesta faixa de renda (61% das pessoas das classes D e E que têm celular) resulta em restrições significativas na navegação. Aproximadamente 64 milhões de brasileiros (39% dos que possuem celular) declararam que o pacote de dados acabou pelo menos uma vez nos últimos três meses, sendo a maioria (52%) usuários de planos pré-pagos. Essa limitação impõe uma barreira à “conectividade significativa”, que exige qualidade de acesso suficiente para que o cidadão possa se apropriar dos benefícios on-line.
A desigualdade digital está fortemente ligada ao nível educacional, o que impacta diretamente o desenvolvimento de habilidades e a capacidade de uso da rede, abrangendo inclusive o índice de alfabetização. A falta de instrução adequada limita a apropriação de habilidades digitais mais complexas, reforçando o ciclo de exclusão.
Os dados de 2024 mostram que o acesso à internet cai drasticamente com a diminuição da escolaridade: 98% dos brasileiros com ensino superior usavam a internet, mas o índice caía para 91% entre aqueles com ensino médio e despencava para 74% entre quem estudou apenas até o fundamental.
O baixo nível de instrução, que engloba o analfabetismo (taxa nacional de 5,3% em 2024, chegando a 11,1% no Nordeste), representa uma desigualdade estrutural. A vulnerabilidade econômica frequentemente se associa à baixa escolaridade, com 23,3% dos trabalhadores com baixo nível de instrução em situação de pobreza. Nesses casos, a navegação restrita pelo celular limita a realização de tarefas complexas, consolidando a exclusão digital e social.
Como as classes usam a internet: IA e apostas
O afastamento socioeconômico se aprofunda quando se analisam atividades que exigem maior domínio digital, como o uso de Inteligência Artificial (IA) generativa, e o tipo de consumo de entretenimento, como as apostas on-line.
Embora 32% dos usuários brasileiros já empreguem ferramentas de IA generativa, o uso é marcado pela desigualdade. A tecnologia é utilizada por 69% da classe A, mas por apenas 16% das classes D e E.
O uso da IA também está diretamente ligado à educação: 59% dos usuários com ensino superior a utilizam, caindo para 29% (nível médio) e apenas 17% (nível fundamental). Essa disparidade se reflete no uso profissional, que é predominante (69%) entre usuários com ensino superior, mas atinge apenas 23% entre trabalhadores com nível fundamental.
Segundo Fábio Storino, coordenador da pesquisa, os benefícios da IA, como produtividade e aprendizado, “podem continuar concentrados nos grupos que historicamente já possuem mais oportunidades”.
A Pesquisa TIC Domicílios 2025 mediu, pela primeira vez, o uso de apostas on-line, revelando que 19% dos usuários de internet (cerca de 30 milhões de brasileiros) fizeram algum tipo de aposta digital em 2025.
A prática é significativamente mais comum entre homens (25%) do que entre mulheres (14%). A maior diferença surge nas apostas esportivas, onde 12% dos homens apostam, contra apenas 2% das mulheres. Outros tipos de apostas incluem casinos on-line (10% homens vs. 6% mulheres), loterias (9% e 4%) e rifas digitais (9% e 5%).
Goiás lidera conectividade, mas ainda enfrenta bolsões de exclusão digital
O Estado de Goiás se destaca no cenário nacional, figurando como um dos líderes em penetração da rede internet. Em 2024, Goiás era o segundo Estado mais conectado do Brasil, com 94% da população on-line, atrás apenas do Distrito Federal (96%).
Goiás também demonstra sucesso na inclusão de faixas etárias mais avançadas, com 77,3% das pessoas com mais de 60 anos conectadas em 2024, superando a média nacional para este grupo. No que tange à economia, o rendimento médio real habitual de todos os trabalhos das pessoas ocupadas em Goiás foi de R$ 2.892 em 2024.
Apesar dos altos índices gerais, o governo de Goiás reconhece a existência de desigualdades internas. Para combater os “bolsões de exclusão digital” em áreas mais vulneráveis, o Programa Cidadão Tech Campo foi lançado em 2025.
A iniciativa busca levar conectividade a áreas rurais e comunidades historicamente desassistidas, como os territórios quilombolas de Cavalcante, com a instalação prevista de 221 pontos de internet via satélite até 2026. O objetivo é garantir que o acesso permita a esses cidadãos o acesso a serviços, a educação e a plena cidadania digital.
Apesar dos números robustos de conectividade a internet no Brasil, e especialmente em Goiás, o cenário revela um desafio que vai além do simples acesso: garantir uma “conectividade significativa”. Isso exige enfrentar limitações estruturais, como a dependência de celulares e planos pré-pagos entre as famílias de menor renda, além da barreira educacional que limita o uso qualificado das tecnologias.
Sem esse avanço, o crescimento do acesso a internet ocorre o risco de aprofundar desigualdades já existentes, especialmente no uso de ferramentas avançadas, como a Inteligência Artificial.
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