Trapalhadas de direita e esquerda tornam Centrão decisivo de novo
Hesitação para cassar Zambelli e Glauber abre espaço para a volta do grupo que realmente domina a política nacional, não importa em qual assunto ou quem esteja como presidente da República, do Senado, da Câmara ou do STF
A maçaroca de políticos que integram o Centrão está nos arredores dos poderes desde que o Brasil era colônia. Seus antepassados apoiaram Dom João VI, Dom Pedro I e Dom Pedro II. Quando houve o golpe que derrubou o imperador, antes de o galo cantar três vezes, os insetos da Praça da Aclamação já haviam aderido à República e nunca mais deixaram de mandar. Deram origem a todas as siglas atuais, um emaranhado de ideologia que une famílias e vontades.
Nos últimos dias, mostraram as garras ao salvar da cassação dois deputados federais: um do PSol (rotulado de extrema esquerda) e outra do PL (associada à extrema direita). Com isso, o Centrão se uniu e ergueu uma barricada na entrada do Congresso. A mensagem foi clara: quem manda ali é ele — e isso desde Maria, a Louca, rainha de Portugal, na chegada da Coroa ao Brasil, em 1808.
Nos Estados, o Centrão também andava meio murcho. Sua última tentativa de afirmação ocorreu na eleição para a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, quando o preferido do então presidente Arthur Lira (PP-AL) era Elmar Nascimento (União Brasil-BA). Porém, outra ala do movimento tornou imbatível um jovem da Paraíba, Hugo Motta (Republicanos), que Lira teve de engolir.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, não é propriamente líder do Centrão. Ele concentra o poder ao seu redor, enquanto Lira o divide. Os ministros nomeados por Lula em deferência a Alcolumbre foram escolhidos por ele, não por partido ou grupo. Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional) e Frederico Siqueira (Comunicações) não representam siglas nem correntes: seu partido é Davi, e seu grupo é Alcolumbre.
Assim, o Centrão estava praticamente despido de poder na Câmara, no Senado, no Executivo e com apenas alguma influência no Judiciário. Bastou a esquerda se iludir ao tentar salvar o brigão Glauber Braga (PSol-RJ) e a direita se iludir ao proteger a fujona Carla Zambelli (PL-SP) para que as moléculas se reagrupassem, formando o corpo político mais unido já visto. Voltava à cena quem manda de verdade.
Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, o único período em que o Centrão ficou enfraquecido foi na primeira metade do governo Jair Bolsonaro (2019/2020), quando o então presidente tentou governar sem siglas. Nos dois últimos anos, Bolsonaro teve de se render ao Centrão ou cairia. Agora, os profissionais do poder pretendem retornar em bloco.
A esquerda, que falhou ao salvar Braga, terá de arrebentar os cofres do País para ter o Centrão a seu lado — o mesmo Centrão que ajudou a reunificar. A direita, que não deveria ter se sacrificado por Zambelli, terá de ressuscitar a candidatura presidencial do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A garganta do Centrão é mais profunda que as Fossas Marianas: não há dinheiro que a preencha. Seus partidos estão tanto no governo Lula quanto em um eventual governo Tarcísio. Por ora, os abutres aguardam quem vai tombar primeiro para devorar a carniça e se banquetear com os vencedores — pouco importa se de direita ou de esquerda.
O que cada partido tem como poder de pressão
As maiores agremiações do Centrão são aquelas superlotadas das figurinhas de sempre.
O MDB, de Baleia Rossi (SP), já anunciou que apoiará as reeleições de Lula e Tarcísio, caso o governador de São Paulo decida permanecer no cargo atual. Se Lula insistir para que seu vice, Geraldo Alckmin (PSB-SP), dispute um quinto mandato como governador paulista, o MDB apresentaria um vice, possivelmente a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), que teve bom desempenho em pesquisas para o Senado.

O PL definiu-se pelo senador Flávio Bolsonaro (RJ), escolhido pelo pai, Jair Bolsonaro, atualmente preso na Superintendência da Polícia Federal em Brasília. O cenário mais provável seria a desistência para apoiar Tarcísio, ex-ministro de Bolsonaro. Ainda assim, líderes da direita, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), defendem inspiração no Chile, onde a esquerda se dividiu no primeiro turno, mas se uniu no segundo e retomou a Presidência.
O PP, que formou federação com o União Brasil, também prefere Tarcísio, mirando a vice-presidência para seu líder, o senador Ciro Nogueira (PI). Ciro preside a federação com o União Brasil, que tem como pré-candidato o próprio Caiado. Nogueira luta com todas as forças para salvar a própria pele, já que sua reeleição ao Senado pelo Piauí é considerada improvável.
O PSD dispõe de dois pré-candidatos à Presidência — Ratinho Jr. (PR) e Eduardo Leite (RS) —, mas prefere Tarcísio para que seu chefe nacional, Gilberto Kassab, seja ungido ao governo paulista. Kassab faz campanha para si mesmo enquanto mantém três ministérios no governo Lula: Pesca, Agricultura e Minas e Energia, com representantes de Estados-chave.
O Republicanos forma um triunvirato com a Igreja Universal e a TV Record. Suas principais estrelas são o governador Tarcísio e o presidente da Câmara, Hugo Motta. O partido também integra o governo Lula, com Silvio Costa Filho à frente do Ministério de Portos e Aeroportos.
Imagine essa turma gritando, em uníssono: “Quero emenda! Quero cargo! Quero vice!”
É exatamente isso que vai acontecer.