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segunda-feira, 15 de dezembro de 2025
VELOCIDADE

Velocidade na Ricardo Paranhos vira palco de disputa entre lazer, trânsito e segurança em Goiânia

Corredores, especialistas e moradores apontam riscos em cruzamentos, velocidade acima do limite e falhas na engenharia de trânsito

Anna Salgadopor Anna Salgado em 15 de dezembro de 2025
velocidade
Foto: Gabriel Louza/O HOJE

A Alameda Ricardo Paranhos, no Setor Marista, consolidou-se como um dos principais pontos de lazer e saúde de Goiânia, por atrair diariamente corredores amadores e profissionais. A popularidade da via como reduto esportivo, porém, expõe um conflito crescente entre a prática de atividade física, a mobilidade urbana e a velocidade do trânsito, o que reacende um debate sobre segurança e priorização do espaço público.

Ainda antes do amanhecer, a movimentação de atletas já ocupa toda a extensão da alameda. Para atender essa demanda e reduzir riscos, metade da via é fechada com cones todos os sábados, das 6h às 10h, medida adotada pela prefeitura goiana para ampliar a segurança dos praticantes de corrida de rua.

Mesmo assim, atletas e assessores esportivos afirmam que a intervenção é insuficiente. Susana Aguiar, representante da Associação de Assessorias Esportivas, explica que empresas e corredores solicitam ações mais estruturais, como a recuperação da pista e o fechamento definitivo do canteiro central, assim garantem um percurso contínuo e sem cruzamentos com veículos. 

Segundo ela, quase acidentes são frequentes quando motoristas tentam acessar a pista. Atualmente, o trecho de concreto destinado à corrida tem quase 2 km de extensão.

Em um incidente grave relatado pelos usuários, corredores reclamaram do forte cheiro de spray de pimenta vindo do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar, nas proximidades da avenida. Os atletas relataram ardência nos olhos, irritação na garganta e dificuldade para respirar, o que forçou muitos a interromperem seus treinos. 

A nutricionista Luiza de Amorim descreveu que o efeito durou cerca de 10 a 15 minutos, causando incômodos pelo resto do dia. Em resposta, a Polícia Militar informou que seus treinamentos seguem “protocolos rigorosos de segurança e controle”, usando substâncias químicas controladas em ambiente supervisionado, e prometeu orientar as unidades para reforçar esses cuidados.

O uso da Alameda Ricardo Paranhos para corrida também não é consensual entre a população. A influenciadora Thauana Machado, em um vídeo nas redes sociais, questionou “a lógica” de correr em uma via arterial movimentada. Ela destacou que a avenida está localizada no bairro mais nobre de Goiânia, sugerindo que o “hype da corrida” ali pode ser motivado pelo status do local e pelo fato de a pista ser plana.

Thauana relatou sua indignação com o risco de acidentes, especialmente nos cruzamentos, onde, segundo ela, corredores muitas vezes agem como se “a rua fosse dele, não do carro”. A influenciadora afirma que já houve diversos atropelamentos no local e questiona por que, havendo parques como o Flamboyant e o Vaca Brava, os atletas escolhem uma avenida sem vista cênica e com risco de atropelamento. 

Embora reconheça que a prioridade é do pedestre, diz não entender a escolha de se colocar em uma posição de vulnerabilidade. Seu desabafo foi motivado por uma situação em que quase atropelou uma pessoa, precisando frear bruscamente e causando uma reação em cadeia no trânsito atrás dela.

Revisão da engenharia viária e controle rígido de velocidade na alameda

O engenheiro e professor de Engenharia de Trânsito do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen, especialista em trânsito, aponta falhas críticas na gestão da convivência entre veículos e pedestres na Ricardo Paranhos. 

Segundo ele, é “muito comum motoristas e motociclistas trafegarem a velocidades elevadas”, tanto em dias normais quanto aos sábados, mesmo com a interdição parcial. Ele considera que, diante do grande número de pessoas, a falta de controle de velocidade representa um risco significativo.

Para solucionar os conflitos, o especialista sugere implementar sinalização vertical e horizontal clara para separar veículos e pedestres, especialmente nos cruzamentos, retornos e rotatórias, onde há maior incidência de conflitos. Rothen classifica a interdição com cones aos sábados como “muito precária” e perigosa, por não haver sinalização adequada que alerte os motoristas sobre a mudança temporária no fluxo, o que aumenta o risco de atropelamentos.

Ele defende ainda a implantação de faixas elevadas para pedestres (lombofaixas), especialmente nas rotatórias e retornos, medida que obrigaria os motoristas a reduzir a velocidade. A principal proposta do especialista é reverter a prioridade da avenida, tornando-a preferencialmente para uso local. Com isso, haveria redução natural da velocidade e o trânsito de passagem seria direcionado para rotas alternativas, permitindo até ampliar a pista de corrida em alguns trechos.

Velocidade e fiscalização entram no centro do debate sobre segurança viária

A questão da velocidade na Ricardo Paranhos está diretamente ligada à política de fiscalização de Goiânia. A Capital aparece em segundo lugar no ranking nacional de cidades com mais radares de velocidade por frota, com 5,83 equipamentos para cada 10 mil veículos (2023). A ausência de fiscalização eletrônica durante sete meses em 2024 levou a um aumento de 5,5% na média de óbitos no trânsito de Goiânia no período subsequente, evidenciando a importância do controle de velocidade.

Em resposta à reportagem, a Secretaria Municipal de Engenharia de Trânsito (SET) informou que o limite de velocidade na Alameda Ricardo Paranhos é de 50 km/h. A via é classificada como “arterial secundária urbana”, e o limite foi definido em setembro de 2025, após estudo técnico que levou em conta volume de veículos, presença de pedestres e histórico operacional. A mudança incluiu a implantação de fiscalização eletrônica para garantir o cumprimento das regras.

A atualização ocorre em meio a um debate nacional: em setembro, o governo federal concluiu a consulta pública que revisa o Guia de Gestão de Velocidades no Contexto Urbano, referência para Estados e municípios definirem limites de velocidade. O Ministério dos Transportes busca reduzir acidentes e considera diminuir limites, sobretudo em áreas urbanas. 

Com base em recomendações da OMS e do Banco Mundial, a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) propõe 30 km/h em vias locais, escolares e comerciais; 40 a 50 km/h em corredores entre bairros com infraestrutura segura; e velocidades maiores apenas em vias expressas com tráfego segregado.

A SET reforça que a fiscalização eletrônica desempenha papel essencial na promoção de um trânsito mais seguro e na convivência equilibrada entre motoristas e praticantes de atividades físicas. No entanto, afirma que, no momento, não há previsão de redução temporária do limite de velocidade em horários específicos, nem de implantação de lombofaixas ou fechamento definitivo de trechos da via para veículos, medidas que priorizam exclusivamente o uso esportivo. A secretaria destaca que a via passa por análises periódicas que podem resultar em ajustes técnicos com foco em segurança viária.

Enquanto o debate sobre a segurança e a vocação da Ricardo Paranhos continua, a prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana (Seinfra), já assinou a ordem de serviço para o recapeamento da alameda. Além disso, a requalificação da via, que busca fortalecer sua vocação para a corrida de rua, desperta interesse do setor da construção civil, que já apresentou um projeto de intervenção com melhorias voltadas à segurança de pedestres e à organização do trânsito.

A Alameda Ricardo Paranhos permanece, assim, como um laboratório urbano, onde a busca por lazer e qualidade de vida convive com episódios de imprudência e com a necessidade urgente de intervenções de engenharia de tráfego mais seguras e definitivas. A gestão da velocidade e a definição de prioridades no uso do espaço determinarão se a avenida se tornará um modelo de convivência ou seguirá como palco constante de conflitos.

 

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