Auditoria do DenaSUS aponta irregularidades graves nas maternidades de Goiânia
Levantamento DenaSUS mostrou que as três maternidades municipais apresentaram irregularidades assistenciais, contratuais e financeiras, o que resultou na determinação de devolução de R$ 2,5 milhões ao SUS
O Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (DenaSUS) apresentou na Câmara Municipal de Goiânia o relatório final da Auditoria nº 19903, nesta terça-feira (16), que investigou os serviços de atenção obstétrica e neonatal nas três maternidades municipais sob gestão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e execução pela Fundahc: o Hospital e Maternidade Dona Íris (HMDI), o Hospital Municipal da Mulher e Maternidade Célia Câmara (HMMCC) e a Maternidade Nascer Cidadão (MNC). O período analisado abrangeu janeiro de 2023 a junho de 2025.
A auditoria, solicitada pela vereadora Aava Santiago, concluiu que o conjunto de serviços avaliados não atendeu, de forma adequada e regular, aos critérios assistenciais, organizacionais, contratuais e financeiros estabelecidos, indicando um quadro crítico e persistente de fragilidade na atenção materno-infantil sob responsabilidade da SMS.
O achado de maior gravidade reconheceu formalmente a existência de dano ao erário federal, determinando a devolução obrigatória de R$ 2.578.725,00 ao Fundo Federal do Sistema Único de Saúde (SUS), com acréscimos legais.
Este prejuízo decorreu do recebimento indevido de recursos federais destinados ao custeio de 30 leitos de UTI Adulto II do HMMCC, que permaneceram inativos por 157 dias corridos, de 11 de outubro de 2024 a 16 de março de 2025, embora continuassem cadastrados como ativos no SCNES. A inatividade configurou descumprimento das normas que condicionam o custeio federal à manutenção da unidade.
O relatório também apontou inatividade e/ou interrupção recorrente de outros serviços e leitos habilitados. No HMDI, a Casa Gestante Bebê e Puérpera estava inativa desde janeiro de 2025. Além disso, a produção de partos teve uma queda acentuada: no HMDI, houve uma redução de 15% na média mensal de partos em 2024 em comparação com 2023, e, em 2025, a queda atingiu 84% na média mensal em relação a 2024. Paralelamente, os tempos médios de espera para o pré-natal de alto risco alcançaram 241 dias em 2023.
As maternidades enfrentavam deficiências estruturais (três elevadores inoperantes no HMDI, obrigando o transporte de pacientes pela rampa) e de pessoal (insuficiência de pediatras e anestesiologistas), além de falta de insumos, o que levou à suspensão de exames laboratoriais, cirurgias eletivas e atendimentos ambulatoriais.
Os direitos das usuárias também foram violados, com restrição de acompanhante no período noturno no HMMCC e em nenhuma das maternidades sendo garantido o direito à refeição para acompanhantes, embora a diária fosse cobrada.
O DenaSUS rejeitou formalmente todas as justificativas apresentadas pela Secretaria Municipal de Saúde, como crise financeira ou transição de gestão, por não afastarem a responsabilidade de garantir o serviço no período auditado (Jan/2023 a Jun).
Fundação aponta atrasos de repasses e SMS defende mudança na gestão após relatório DenaSUS
Procurada pela reportagem, a Fundação de Apoio à Gestão de Serviços e Projetos em Saúde (Fagep), anteriormente denominada Fundahc, afirmou que recebeu “com tranquilidade” o relatório do DenaSUS e que as situações apontadas já haviam sido formalizadas, de forma documentada, junto à Secretaria Municipal de Saúde ao longo dos últimos anos.
Em nota, a fundação atribuiu as dificuldades à “insuficiência e aos atrasos recorrentes nos repasses financeiros contratualmente devidos”, situação que, segundo a entidade, se agravou em 2024 e 2025 e impactou a manutenção plena da oferta assistencial. A Fagep sustentou ainda que todas as adequações na prestação dos serviços ocorreram de forma pactuada com a SMS, responsável pelo financiamento, regulação e definição da rede assistencial
O Secretário Municipal de Saúde, Luiz Gaspar Machado Pellizzer, defendeu a mudança de gestão que ocorreu após o período auditado. “O relatório traz um panorama do cenário que enfrentávamos à época, que foi continuamente exposto pela secretaria, e que levou à substituição da instituição gestora das maternidades. Essas recomendações (do DenaSUS), de acordo com o secretário municipal de Saúde, Luiz Pellizzer, já haviam sido implementadas pela atual gestão antes mesmo da conclusão da auditoria, ‘o que reforça o acerto da decisão tomada pelo prefeito’.”
Pellizzer afirmou que a alteração do modelo de gestão foi “correta e necessária para garantir a continuidade da assistência materno-infantil em Goiânia”.
A vereadora Aava Santiago criticou a falta de fiscalização e a não aplicação dos recursos federais. “O relatório(DenaSUS) apresenta algo muito grave referente à gestão passada e a essa gestão. Ele aponta que o recurso federal continuou sendo repassado e deixou de ser aplicado no atendimento à clientela do serviço de saúde. É importante ressaltar o número, que é muito chocante, de 2024 em comparação com 2023, houve uma redução de 15% nos atendimentos. E de 2025 em relação a 2024, uma redução de mais de 80%. […] Então, a partir desse diagnóstico, a Câmara de Goiânia vai acionar para que a gente, especialmente na promotoria de patrimônio, para a gente entender para onde foi o recurso federal, já que ele não deixou de chegar na Secretaria Municipal de Saúde, mas ele deixou de virar um ponto que está lá para a crise dela.”
O Diretor Nacional do DenaSUS, Rafael Bruxellas, ressaltou a importância da auditoria e indicou os próximos passos. “O Denasus entrega um trabalho importante. A auditoria que iniciou em maio de 2025, nas maternidades de Goiânia, para identificar se os serviços estavam sendo corretamente prestados à população de Goiânia. E aponta recomendações e um caminho para sanear os problemas. Como a construção de uma comissão de fiscalização que garanta que a execução dos convênios firmados entre a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia e os prestadores de serviço aconteça corretamente. Ao mesmo tempo, nós estamos nos dispondo, junto da prefeitura, a realizar o monitoramento de um plano de ação que será apresentado para sanear todas as constatações e as não conformidades que se encontraram neste relatório.”
O relatório final e suas constatações são passíveis de desdobramentos junto a órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal (MPF).
Linha do tempo – principais acontecimentos noticiados pelo O HOJE (2024–2025)