Decisão do Incra devolve terras à comunidade quilombola Mesquita em Goiás
Reconhecimento oficial garante 4,1 mil hectares à comunidade quilombola no Entorno do DF e fortalece a luta por reparação histórica no Estado
O reconhecimento oficial do território da comunidade quilombola Mesquita pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) coloca Goiás no centro de um debate histórico sobre reparação social, preservação ambiental e conflitos fundiários. Localizada na Cidade Ocidental, no Entorno do Distrito Federal, a comunidade teve a área tradicional ampliada para 4,1 mil hectares, um aumento de 80% em relação ao território atualmente ocupado.
A decisão, publicada no último dia 19 de dezembro, representa um marco para cerca de 1,1 mil famílias quilombolas, o que corresponde a mais de duas mil pessoas que vivem na região. Com o reconhecimento, a comunidade aguarda agora a próxima etapa do processo: a desintrusão de ocupantes irregulares, entre eles fazendeiros ligados ao cultivo de soja que, ao longo dos anos, passaram a explorar áreas tradicionalmente pertencentes ao território quilombola.
Em Goiás, onde o avanço do agronegócio e da especulação imobiliária pressiona comunidades tradicionais, a medida reacende discussões sobre justiça social e preservação do Cerrado. Lideranças locais avaliam que a retomada da posse plena do território permitirá não apenas a recuperação de áreas perdidas, mas também o combate ao desmatamento promovido por grileiros, além de garantir mais segurança às famílias que vivem no local.
Segundo o morador Walisson Braga, uma das lideranças jovens da comunidade Mesquita, o reconhecimento das terras cria condições para fortalecer o modo de vida tradicional e retomar práticas agrícolas sustentáveis.
De acordo com ele, a presença de ocupantes irregulares forçou muitos moradores a buscar subempregos fora da comunidade, rompendo laços históricos com a terra. “Esperamos que, com esse reconhecimento, a comunidade volte a trabalhar na agricultura e a cuidar do território como sempre fez”, afirmou.
A proteção ambiental está diretamente ligada à identidade da comunidade quilombola. Para os moradores, preservar o Cerrado significa garantir a continuidade de saberes ancestrais e assegurar renda para as famílias. Um dos símbolos dessa resistência é o cultivo do marmelo, fruto que dá nome à tradicional Festa do Marmelo, marcada para o dia 11 de janeiro. O evento, que reúne moradores e visitantes, deve ganhar um significado especial neste ano, ao celebrar a conquista do reconhecimento territorial.
A devolvida do terrotório para a comunidade quilombola é reparação histórica
O Incra destaca que a decisão também tem caráter de reparação histórica. Em nota, o instituto afirmou que o território ocupado desde o século 18 teve papel fundamental na construção de Brasília e no abastecimento da região durante a edificação da capital federal. Quilombolas do Mesquita ajudaram a erguer estruturas de apoio aos migrantes e produziram alimentos que sustentaram os canteiros de obras em um período em que quase não havia produção agrícola local.
A chefe da Divisão de Territórios Quilombolas do Incra no Distrito Federal e Entorno, Maria Celina, ressaltou que o reconhecimento enfrenta uma realidade marcada por invasões recorrentes, que reduziram áreas de plantio, moradia e circulação tradicional da comunidade.
Já a superintendente regional do Incra, Cláudia Farinha, afirmou que a medida assegura o direito à terra ancestral e protege as famílias quilombolas da especulação imobiliária, um problema crescente no Entorno do DF e em municípios goianos próximos à capital federal.
Com quase 280 anos de história, a comunidade quilombola Mesquita se consolida como uma das mais antigas de Goiás. Hoje, a região abriga centenas de famílias e mantém viva uma trajetória de resistência, marcada pela luta por território, identidade e dignidade.
Estudos antropológicos apontam que os quilombolas do Mesquita tiveram participação ativa na construção de Brasília. Eles ajudaram a erguer cantinas, hospedagens e refeitórios que atendiam os trabalhadores que migraram para a região durante a construção da nova capital do País.
Além disso, foram responsáveis por fornecer parte significativa dos alimentos consumidos nos canteiros de obras, em um período em que a produção agrícola local ainda era incipiente.
O reconhecimento do Incra reforça o papel do Estado de Goiás na promoção de políticas públicas voltadas às comunidades tradicionais e no enfrentamento dos desafios fundiários e ambientais que ainda persistem no Cerrado goiano.