Eleitor de esquerda pode apoiar Bolsonaro ou de direita votar no Lula
Levantamento mostrou que 14% de bolsonaristas se dizem à esquerda e 34% de petistas à direita; cientista político alerta para abstração dos conceitos ideológicos e facilidade de identificação com lideranças políticas
A pesquisa Datafolha divulgada na última semana revelou que 14% dos eleitores que se dizem bolsonaristas afirmam ser de esquerda, enquanto 34% dos petistas se identificam como de direita. Os números chamam atenção por contrariarem a polarização que marcou o debate político nos últimos anos, sobretudo após as eleições presidenciais de 2018 e 2022.
De acordo com o levantamento, parte significativa do eleitorado apoia lideranças associadas a determinados campos políticos e, ao mesmo tempo, se identifica ideologicamente de forma oposta. A pesquisa ouviu 2.002 eleitores de 113 municípios brasileiros entre os dias 2 e 4 de dezembro e possui margem de erro de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos.
Para o cientista político Pedro Pietrafesa, o fenômeno de se posicionar a favor de um grupo político contrário à sua posição ideológica está ligado à própria dificuldade de compreensão dos conceitos de direita e esquerda por parte da população.
“Sim, os eleitores são complexos e essa questão de ser de direita e de esquerda não necessariamente é muito clara para uma boa parte da população, não só no Brasil, mas mundo afora. São conceitos que são bastante abstratos. Para algumas pessoas, é mais fácil se identificar com lideranças políticas”, afirmou o cientista à reportagem do O HOJE.
Segundo Pietrafesa, essa abstração faz com que muitos eleitores estabeleçam sua posição política a partir de figuras públicas, e não de ideologias. “Por isso que às vezes se identificam mais com Lula ou com Bolsonaro. Apesar de se dizerem de direita, eles se identificam com Lula, e os que se dizem de esquerda se identificam com Bolsonaro”, explicou.
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Comportamento recorrente
Nesse contexto, os dados apontados pelo Datafolha deixam de ser uma anomalia estatística e passam a refletir um comportamento recorrente do eleitorado. “Como essas identificações ideológicas são conceitos abstratos, isso nos permite encontrar esses dados que, a princípio, são estranhos, como de 34% dos petistas considerados de direita e 14% dos bolsonaristas de esquerda”, ressaltou Pietrafesa.
Para o cientista político, o ponto central é que a identidade ideológica não está claramente definida para grande parte da população. Peitrafesa destaca que, para muitas pessoas, é “difícil” estabelecer quais são as características e os componentes que constituem cada um dos conceitos de direita e de esquerda.
“O eleitor pode associar o PT às políticas de inclusão implementadas durante os governos do presidente Lula, independentemente de ser ou não beneficiário direto de programas sociais. Ao mesmo tempo, essas pessoas podem defender valores tradicionalmente associados à direita, como menor atuação do Estado na economia, livre iniciativa ou posições conservadoras nos costumes”, afirmou.
“Eleitor é um ator complexo”
Pietrafesa reforça que o eleitor não pode ser compreendido de forma simplificada. Além disso, o cientista político argumenta que a aparente contradição apontada pela pesquisa não se mantém quando observada sob a ótica do eleitorado.
“Para eles, é extremamente factível dizer que são de direita e possuir uma identificação com o PT. Na cabeça desses eleitores, isso não é um paradoxo, não é incoerência. O eleitor é um ator complexo. Ele pode afirmar que possui uma determinada identidade ideológica e ter simpatia por um partido ou por um grupo político contrário”, conclui.