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terça-feira, 30 de dezembro de 2025
chuvas e inundações

Goiânia lidera ranking de áreas de risco no estado durante o período chuvoso, aponta estudo

Levantamento oficial identifica 4.260 áreas de risco em Goiânia e aponta 24 municípios goianos vulneráveis a enchentes, enxurradas e deslizamentos

Renata Ferrazpor Renata Ferraz em 30 de dezembro de 2025
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Divulgação/SET

Um levantamento coordenado pela Casa Civil da Presidência da República em parceria com o Ministério das Cidades colocou Goiás em alerta para o período chuvoso. O estudo mapeou 24 municípios goianos em áreas suscetíveis a desastres naturais, como deslizamentos, enxurradas e inundações com áreas de risco. 

Entre eles estão Goiânia, Aparecida de Goiânia e Anápolis, as três maiores cidades do Estado. A Capital aparece no topo do ranking estadual, com 4.260 áreas de risco identificadas, número que reflete não apenas o tamanho da cidade, mas problemas estruturais acumulados ao longo de décadas.

Os dados dialogam diretamente com episódios recentes. Em setembro e dezembro, temporais provocaram alagamentos severos na Marginal Botafogo, com veículos ilhados, interdição de vias e acionamento inédito de alertas sonoros da Defesa Civil para celulares. 

Situações semelhantes se repetiram na Avenida 87, no Setor Sul, e em regiões de fundos de vale, evidenciando que os riscos apontados no papel se materializam rapidamente quando a chuva aperta.

Capital concentra riscos e revive problemas históricos

Segundo o estudo federal, sete municípios goianos estão classificados como de “risco triplo”, ou seja, sujeitos simultaneamente a deslizamentos, enxurradas e inundações.

Além de Goiânia, entram nessa lista Aparecida, Anápolis, Senador Canedo, Luziânia, Formosa e Novo Gama. A Capital lidera com folga o número de setores mapeados como vulneráveis, seguida por Senador Canedo (744), Aparecida de Goiânia (737) e Anápolis (393).

Para o urbanista Fred Le Blue, o volume de áreas de risco em Goiânia não é surpresa. “O crescimento urbano da Capital ocorreu de forma incompatível com a infraestrutura de drenagem existente. Houve verticalização e adensamento desmedidos, o que impermeabilizou o solo e favoreceu alagamentos e inundações”, explica. Segundo ele, a impermeabilização é hoje um dos principais agravantes dos eventos extremos nas cidades.

A lógica é simples: quanto mais asfalto, concreto e telhados, menor a infiltração da água no solo. Com isso, o volume escoa rapidamente pela superfície, sobrecarrega galerias pluviais e córregos canalizados e provoca transbordamentos em poucos minutos. “A drenagem urbana nunca acompanhou o ritmo da urbanização”, resume o urbanista.

Além das obras estruturais, especialistas defendem que educação ambiental e planejamento urbano integrado são fundamentais para reduzir riscos no médio e longo prazo. A população ainda descarta lixo de forma irregular, o que obstrui bocas de lobo e galerias pluviais, agravando alagamentos em pontos críticos. Campanhas permanentes e fiscalização efetiva podem reduzir impactos imediatos.

Ao mesmo tempo, urbanistas alertam que novos empreendimentos precisam respeitar limites ambientais e estudos de drenagem. Sem essa mudança de lógica, o mapeamento de áreas de risco tende a crescer a cada ano, ampliando prejuízos econômicos e ameaçando vidas durante o período chuvoso em Goiás.

Canalizar córregos resolve ou empurra o problema das áreas de risco?

 

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Uma das soluções mais adotadas historicamente nas cidades brasileiras foi a canalização de córregos. No entanto, o urbanista alerta que a prática tende a mascarar o problema, em vez de resolvê-lo. 

“A canalização cria uma solução que é pior do que o problema. Ela tenta domesticar as águas, quando, na verdade, somos nós que devemos nos adaptar ao ciclo hidrológico”, afirma Fred Le Blue.

Ele destaca o papel das matas ciliares, que funcionam como verdadeiras esponjas naturais. “São elas que garantem que parte da água infiltre no solo, reduzindo a quantidade que permanece na superfície em situações de chuva forte. Quando eliminamos essas áreas, aumentamos a força destrutiva da água”, pontua.

A bióloga Raquel Pires Sales, CEO da Pachamama Socioambiental, explica que o estudo federal cruza critérios técnicos como histórico de desastres registrados no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), impacto humano e material, vulnerabilidade social e suscetibilidade física do terreno.  “O risco explode quando um processo natural encontra ocupação vulnerável. Não é só onde a água passa, mas onde existem pessoas, moradias frágeis e infraestrutura precária”, afirma.

Ela lembra que Goiânia combina uma rede hidrográfica urbana extensa, ocupação intensa de fundos de vale e problemas como assoreamento, descarte irregular de lixo e perda de mata ciliar, especialmente em bacias como a do Ribeirão Anicuns. “É o pacote completo de agravantes”, resume.

Diante de cenas recorrentes de carros sendo arrastados ou ilhados, prefeituras passaram a adotar cancelas para bloquear vias em momentos de chuva intensa. A medida, no entanto, divide opiniões. Para Fred Le Blue, trata-se de uma ação necessária, mas limitada. “É um paliativo enquanto o Plano Diretor de Drenagem Urbana e suas intervenções estruturais não ficam prontos”, avalia.

Na visão do urbanista, as cancelas reduzem riscos imediatos à vida, ao impedir que motoristas avancem em áreas sabidamente perigosas, mas não atacam a causa do problema. “Elas não resolvem alagamento nem enxurrada, apenas evitam que pessoas sejam expostas ao perigo naquele momento”, diz.

Raquel Pires Sales concorda e reforça que medidas emergenciais precisam caminhar junto com políticas estruturantes. “Alertas via celular, bloqueios de vias e atuação rápida da Defesa Civil salvam vidas. Mas, sem enfrentar a ocupação irregular, a impermeabilização excessiva e a falta de planejamento urbano, o cenário tende a se repetir”, alerta.

Nos últimos meses, Goiânia e Aparecida anunciaram ações preventivas, como limpeza intensificada de bocas de lobo, manutenção de galerias pluviais, obras pontuais de drenagem e uso de tecnologia para alertas meteorológicos. 

Em Aparecida, a prefeitura também investe em novos caminhões hidrojato e obras de macrodrenagem em áreas críticas. Já na Capital, o Gabinete de Crise reúne Defesa Civil, Corpo de Bombeiros e órgãos ambientais para planejar respostas rápidas durante temporais.

Apesar dos avanços, especialistas avaliam que o poder público ainda atua mais de forma reativa do que preventiva. “Prevenção exige decisões impopulares, como impedir novas ocupações em áreas de risco, remover moradias de locais vulneráveis e investir continuamente em soluções baseadas na natureza”, afirma Raquel.

O estudo federal não aponta que cidades inteiras estejam ameaçadas, mas indica pontos específicos de alta vulnerabilidade. Para a população, o recado é claro: ficar atento aos alertas, evitar áreas alagadas e cobrar políticas urbanas que vão além do improviso. 

Para os gestores, o desafio é transformar mapas e diagnósticos em planejamento efetivo, antes que a próxima chuva forte volte a expor, na prática, riscos já conhecidos.

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