Mercado público no Vaca Brava ameaça sustentabilidade em Goiânia
Projeto do Paço prevê mercado moderno na orla do Parque Vaca Brava, no Setor Bueno, por meio de PPP, mas urbanistas alertam para riscos ambientais
A proposta de construção de um mercado público moderno na orla do Parque Vaca Brava, no Setor Bueno, tornou-se o centro de um intenso debate sobre sustentabilidade urbana e preservação ambiental em Goiânia. O projeto, idealizado pelo prefeito Sandro Mabel (União Brasil), visa transformar uma das últimas áreas livres da região em um centro comercial e gastronômico.
Entretanto, a iniciativa enfrenta forte resistência de especialistas em urbanismo e moradores locais, que alertam para os riscos de degradação das nascentes e o colapso da infraestrutura viária.
O terreno em questão, localizado entre as avenidas T-5 e T-3 e a Rua T-58, possui cerca de 5 mil metros quadrados e é avaliado em aproximadamente R$ 13,7 milhões. Em entrevista concedida ao jornal O Popular, Mabel detalhou sua visão, afirmando que a ideia é criar um equipamento inspirado em mercados consolidados de cidades brasileiras e europeias, como os de Portugal.
O prefeito explicou o modelo de viabilização da obra: “Quero construir um mercado grande e moderno. Vou construir junto com a iniciativa privada”. Segundo o gestor, o processo deve ocorrer por meio de um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para estruturar uma Parceria Público-Privada (PPP). “Com a PMI, a gente lança uma PPP e faz ela. A ideia é que o lugar se torne aqueles mercados grandes como tem em São Paulo e na Europa. Vamos fazer até o final da gestão”, declarou o prefeito ao jornal O Popular.
A arquiteta e urbanista Maria Ester de Souza, pesquisadora do núcleo Goiânia do Observatório das Metrópoles, apresentou críticas contundentes ao planejamento. Para a especialista, a implantação de um equipamento desse porte em uma área já saturada e ambientalmente sensível ignora princípios básicos de planejamento urbano.
Maria Ester destaca que a função do planejamento deve ser, prioritariamente, a preservação: “Do ponto de vista do planejamento, você implantar um equipamento comercial na orla de um parque já consolidado, ele é importante para ativar a economia, para você movimentar, eu diria assim, a dinâmica social local. Agora, a sustentabilidade é um princípio de preservação, ela está diretamente relacionada ao modelo de implantação desse tipo de equipamento”.
Ela ressalta que o próprio Parque Vaca Brava já sofre com a falta de sustentabilidade histórica devido ao adensamento em seu entorno, como o caso do Goiânia Shopping, e que o foco atual deveria ser o equilíbrio ambiental.
Um dos pontos mais críticos levantados pela urbanista é a situação hídrica do local. A área abriga nascentes importantes que alimentam o lago do parque. Maria Ester argumenta que a impermeabilização de mais um trecho de terra pode ser desastrosa.
“O equilíbrio hídrico do Vaca Brava já é um problema por causa dos edifícios no entorno. Então, transformar, por exemplo, mais áreas do entorno em áreas permeáveis é o que salvaria, eu diria assim, uma situação de um grande problema no futuro.”
Além dos danos ambientais, a questão da mobilidade no Setor Bueno é um entrave significativo. Segundo a especialista, a região já não comporta novos fluxos intensos de veículos individuais.
“A infraestrutura viária urbana do sul de Goiânia, da região sul de Goiânia, já é saturada. A região do setor Bueno mais ainda. E você pode contar ali dúzias, dezenas de edifícios sendo erguidos… as ruas são muito estreitas ali naquela região do Bueno. Se você instala um equipamento público ali de uso que vai necessitar de garagem, por exemplo, você só piora o que já é muito complicado”, explicou.
Na avaliação do arquiteto e urbanista Fred Le Blue, o debate extrapola a discussão sobre um único empreendimento e expõe um problema estrutural de planejamento urbano na Capital. Para Le Blue, projetos desse porte precisam ser pensados a partir de uma lógica de cidade e não de oportunidades pontuais de ocupação do solo.
“Quando você escolhe implantar um equipamento de grande atratividade em uma área já consolidada e ambientalmente sensível, você transfere o ônus para o espaço público, para o sistema viário e para o meio ambiente”, analisa.
Segundo Le Blue, mercados públicos cumprem papel social e econômico importante, mas devem ser planejados em áreas com capacidade de absorção de fluxo, infraestrutura adequada e integração com políticas de mobilidade e sustentabilidade.
Maria Ester defende que a área, por ser um remanescente público histórico, deveria ser integrada ao parque como uma área verde de convivência, preservando o solo permeável. A arquiteta sugere que o projeto de um mercado público seria muito mais benéfico se fosse descentralizado para outras regiões da Capital que carecem desse tipo de infraestrutura.
“A gente poderia fazer um mercado desse no setor Pedro Ludovico, setor Faicalville, Itatiaia..Você tem locais mais afastados na região leste, do lado de lá da BR, bairros como Novo Mundo, caberia demais um mercado público escolhido, por exemplo, numa região, numa área bem maior”, sugere Maria Ester.