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domingo, 24 de novembro de 2024
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Violência contra a Mulher

Do amor ao horror: como mulher conseguiu escapar do ciclo de violência

Dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO), mostram que em 2023, foram registrados 56 casos de feminicídio no Estado

Postado em 7 de março de 2024 por Ronilma Pinheiro
Kandice Veiga Jardim

O ano era 2017 e Kandice Veiga Jardim, servidora pública que atualmente tem 40 anos, conhecia aquele que parecia ser o parceiro perfeito para a vida a dois. Educado, simpático, muito prestativo e bonito também. O namoro veio logo em seguida, Kandice estava feliz e se sentia muito bem na relação. No entanto, bastaram alguns meses para que viesse à tona alguns comportamentos que davam um sinal de alerta para o começo das agressões que a mulher sofreria posteriormente.

Segundo a servidora, a primeira atitude do homem, que era médico, após iniciar o relacionamento, foi tirá-la de perto dos seus familiares, com o argumento de que precisava estar perto do trabalho que ficava em Brasília. Assim, por causa dos plantões médicos do parceiro, ela o acompanhou até à capital Federal. “Foi eu, ele e minha filha que tinha dez anos na época”, relembra.

Ao chegar na cidade, as agressões começaram e o ex-companheiro passou a tratá-la como um objeto que estava sob sua posse. “Ele me trancava dentro do quarto, me dava sedativos, colocava escuta em todos os locais da casa e vigiava meu telefone”, conta a mulher o horror que vivia diariamente com o parceiro.

Kandice conta que o homem chegou até colocar um rastreador em seu carro. Ela só teria descoberto que estava sendo rastreada, quando ele mesmo confessou o ato certo dia em que a vítima precisou ir até uma farmácia e recebeu mensagens do médico perguntando o que ela estava fazendo fora de casa. “Eu assustei, eu falei, eu vim na farmácia, algum problema? Aí ele falou assim: ‘todos, voltam para casa, seu carro está rastreado’”, conta.

Naquele dia, ao retornar para a casa onde moravam, Kandice foi agredida com socos e empurrada da escada da residência. As agressões eram presenciadas pela filha, que implorava para que o homem parasse com a violência. “Ela ficava na porta do quarto chorando, pedindo pelo amor de Deus pra ele não fazer isso”, lembra.

Apesar do cenário desastroso, a esperança de Kandice era de que o ‘príncipe encantado’ que ela conhecera, e que agora havia se transformado em ‘sapo’, pudesse mudar um dia e voltar a ser o homem gentil e amoroso de antes. Esse foi o motivo pelo qual ela o perdoou tantas vezes.

A mudança não ocorreu, pelo contrário, a situação só piorava a cada dia, até chegar em um ponto em que a mulher, por não suportar mais as agressões e temer pela própria vida e a vida da filha também, decidiu se separar do médico e voltar para Goiânia. Na época, ela optou por não denunciar o caso à polícia.

Ao jornal O Hoje, a delegada titular da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM), Ana Elisa Gomes, explica que a violência doméstica, bem como a violência contra a mulher, possuem um ciclo específico. Geralmente as primeiras agressões começam por palavras agressivas, na alteração da voz,  às vezes com algumas expressões depreciativas e xingamentos, de acordo com a delegada.

Após esse primeiro ciclo, as agressões evoluem para o contato físico. É nesse estágio onde começam a acontecer os primeiros puxões de cabelo que vão progredindo até chegar em lesões mais graves que muitas vezes levam à morte da vítima, se tornando um caso de feminicídio.

Ana Elisa destaca que a violência se torna um ciclo vicioso para o agressor, que após agredir a vítima, pede perdão e promete que aquilo nunca mais vai se repetir. Após o pedido de desculpas, o casal vive um período de conciliação, mas logo as agressões voltam a se repetir, segundo a delegada.

“Então é muito importante que a mulher esteja atenta a esse comportamento do parceiro, esse comportamento possessivo, que restringe a liberdade dela, que não permite que ela tenha acesso, por exemplo, às redes sociais”, alerta. 

Nem sempre esse tipo de comportamento possessivo se dá por causa de ciúmes, existem casos em que o parceiro  simplesmente apresenta um comportamento agressivo, age com grosseria, impaciência, desrespeito. E esses comportamentos podem evoluir para as agressões físicas, segundo a delegada.

A falta de denúncia ainda é um problema, de acordo com a titular da Deam.  A delegada afirmou à reportagem que na maioria dos casos de feminicídio no Estado, a mulher não chegou a fazer uma denúncia contra o agressor. “As denúncias são muito raras nesses casos de mulheres que são vítimas do feminicídio”, reitera.

A orientação da Deam é que a mulher vítima de violência procure a delegacia na primeira agressão que sofrer, seja ela física, psicológica ou violência moral. “Ela precisa de fato, a partir do primeiro gesto de violência, procurar a delegacia, fazer ocorrência, solicitar a medida protetiva de urgência para que esse autor da violência de fato entenda que existe sim, um regramento”, destaca Ana Elisa.

Quando não há denúncia, na maioria dos casos, essa mulher se torna mais um número na estatística dos dados de casos de feminicídio. Dados da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO), mostram que em 2023, foram registrados 56 casos de feminicídio no Estado. Em 2022, esse número foi 55. A SSP-GO ainda não divulgou os casos de 2024.

Em janeiro deste ano, o governo do Estado apresentou dados da SSP-GO que mostram quedas de até 89,8% nos índices de criminalidade. No entanto, em relação aos indicadores de violência contra a mulher, os dados não mostraram retrocesso.

Aplicativo Mulher Segura

Ao falar sobre a eficácia do Aplicativo Mulher Segura, a SSP-GO informou que embora o aplicativo esteja em operação há pouco tempo, os dados apresentados indicam que ele tem sido uma ferramenta eficaz no combate à violência contra a mulher em Goiás. De acordo com a secretaria, o número significativo de RAIs gerados, especialmente para averiguação de suspeitos e casos de ameaça, demonstra que o aplicativo é utilizado por mulheres em situação de risco.

Além disso, a SSP-GO destaca que a distribuição dos RAIs por cidade também é um indicador importante, uma vez que mostra que o aplicativo alcança mulheres em diferentes regiões do estado.

O aplicativo Mulher Segura lançado pela SSP permite à mulher goiana acesso direto aos serviços do Estado de Goiás para comunicar casos de violência, acionar a Polícia Militar em casos de emergência e ter à mão a localização dos batalhões e das delegacias próximas. O aplicativo que está disponível para aparelhos android e Ios, já conta com 9958 downloads.

Outros canais de denúncia

Para denunciar um caso de violência contra a mulher, basta ligar nos telefones: 197 (Polícia Civil), 190 (Polícia Militar), 180 (Governo Federal). Além disso, as Delegacias Especializadas em Atendimento à Mulher (Deam) estão disponíveis 24 horas de segunda a domingo, para atendimento.

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