Servidores do Ibama reivindicam reestruturação de carreira em meio a problemas financeiros
Funcionários do instituto perderam em 10 anos 56% do poder de compra pelas negociações passadas abaixo da inflação
A aposentada do Ibama Wanja Melo sentiu dois grandes baques na sua vida quando se aposentou da entidade em 2019 depois de 27 anos na ativa como fiscalizadora ambiental da instituição. Já não tinha mais de ficar dias, ou até meses entre as florestas durante as fiscalizações. Tendo pouco o que comer e ainda menores opções onde dormir à noite. “A gente comia sardinhas com pão e dormia em hoteis baratos por meses, quando não era uma barraca no meio do nada de vez em quando, era o que tinha para a gente”, disse ela à equipe de redação.
Agora podia ficar em sua casa em Goiânia e aproveitar os filhos depois de muitas saídas oficiais, que inclusive fazem parte de seu plano. Mas, por causa disso, sentiu o segundo baque, e talvez o mais difícil, o financeiro. Por ficar mais tempo em casa e já ter uma idade avançada de 61 anos, a Wanja teve de aumentar ainda mais os custos de uma profissão que nunca esbanjou recursos financeiros e que já tinha uma carreira defasada.
Aos poucos, se viu cercada de novas contas mais caras para pagar, muito pelo segundo baque mencionado anteriormente, mas também pelo aumento na inflação que empurra os preços de necessidades básicas para cima. Contou que teve de tomar uma decisão difícil de cortar gastos de uma área impensável para outras pessoas na mesma situação, a saúde, tendo de reduzir o plano de saúde para o nível básico: “Antes da aposentadoria eu tinha um plano de saúde completo que custava R$ 1.200. Agora não consigo nem pagar isso tudo porque a aposentadoria só cobre R$ 130”.
Ela ainda diz que o motivo disso foi a combinação das duas turbulações mencionadas anteriormente. Os gastos não eram tão grandes quando era escalada para as operações e ficava semanas nas ações. “Temos de sobreviver com o básico da aposentadoria, e de vez em quando isso não basta porque não temos os benefícios que ganhavamos antes como as diárias”.
E não é só Wanja que está com dificuldades financeiras, outros 1700 servidores do País inteiro, além dos aposentados, reivindicam uma nova reestruturação de carreira. De acordo com Leo Caetano, líder da associação de servidores do Ibama em Goiás, houve uma perda de 56% do poder de compra em 10 anos. Vale lembrar que o poder de compra vai além do direito consumerista, por assim dizer. Este fator condiciona o que um indivíduo consegue gastar dentro da comunidade que vive, incluindo necessidades básicas como moradia, comida e saúde.
Ainda segundo ele, colegas da carreira não conseguem se sustentar com o baixo piso salarial e tem de fazer sacrifícios em outros custos, como a Wanja, que não é ela que teve de reduzir o plano de saúde. O motivo, de acordo com ele, é que as reestruturações de carreira do passado, como ocorreu em 2010 e 2023, foram abaixo da inflação e não incluíram correção em outras áreas do Ibama, como os técnicos ambientais que foram deixados de lado nas negociações por gestores passados.
Os efeitos de uma carreira defasada
Com as falhas nos acordos firmados pelo governo, milhares de servidores do Ibama aderiram ao movimento e cessaram atividades externas que exigem trabalho de campo desde janeiro de 2024, como a fiscalização e licenciamento. Como exemplo, Léo fala que houve um declínio expressivo de 81% nas multas emitidas pelo Ibama e ICMBio em fevereiro de 2024 se comparado com o mesmo mês de 2023.
Uma outra questão que comenta é a diminuição na quantidade de licenciamentos emitidos pelo órgão no mês de fevereiro comparado com o mesmo período em diferentes anos. “Nós estamos priorizando os processos mais antigos e que não necessitam ação externa”, afirma o Leo. Segundo o comparativo obtido pelo jornal O Hoje, houve apenas nove licenciamentos emitidos em fevereiro de 2024, contra 36 no mesmo mês no ano de 2023, uma queda de 75%.
Ainda sobre isso, a equipe responsável pelo licenciamento também diminuiu quase pela metade desde o ano passado, com apenas 228 servidores ativos para 3299 pedidos de licitação, o número de servidores no ano anterior era de 453. “O grande motivo disso é porque as pessoas não querem trabalhar muito e não serem valorizadas”.
Com isso, Wanja e Leo esperam que um acordo seja firmado para ganharem o reconhecimento no seu trabalho. Contudo, Wanja ainda diz que não se arrependeu de ter escolhido essa carreira apesar das tribulações, de acordo com ela, “é um trabalho muito bom e revigorante, mas é muito difícil e é só para quem gosta”.