Especialistas em saúde mental se preocupam com legalização dos cassinos e casas de apostas
Vítima relata ao jornal O HOJE ter perdido 11 anos de sua vida pelo vício em poker
Aos 30 anos, o engenheiro civil Carlos Wagner de São Luís tinha feito uma das melhores decisões de sua vida: acabar com seu vício em apostas. Hoje, com 38 anos, pode desfrutar mais dela sem um “parasita domando sua história”, como relata. Tudo isso começou há 21 anos naquele fatídico dia em que conheceu uma casa de poker próximo a sua casa. A partir dalí, foram 11 anos submisso a um vício que tinha as garras cravadas na sua alma até que se curasse em 2016.
Nestes 11 anos sombrios, pode desfrutar muito menos de sua vida do que podia e talvez do que queria fazer. De lá, viu se afastar cada vez mais de amigos próximos e familiares ao ponto de que eles suplicaram para que revisse as suas decisões. O controle do vício sobre ele era tanto que só conseguia pensar no poker onde quer que estivesse. Seja na companhia de amigos onde só conversava com eles sobre o jogo, ou mesmo em viagens que fazia questão de jogar online e não aproveitasse o tempo com a companhia de pessoas próximas.
“Começou quando eu tinha 17 anos com uma simples brincadeira com o pessoal da casa com apostas de uma bolacha ou bebida. Mas o que me levou a continuar no jogo era ganhar e eu era bom naquilo. Toda hora eu pensava em como ganhar com uma jogada mesmo com umas cartas ruins”, afirma. E explica que “ser bom” era o motivo do jogo não ter causado grandes problemas financeiros para si apesar do vício ser associado a perdas.
A Virada: Mistura de Amigos, Trabalho e Religião
Apesar de tudo isso, foi uma estranha mistura de amigos, trabalho e religião que conseguiu ajudá-lo a querer sair daquele buraco em 2014. Contudo, o principal fator que desencadeou uma mudança foi quando percebeu que as apostas também afetavam o seu trabalho. Juntamente havia se convertido para a fé evangélica a pouco tempo e as práticas das apostas iam de antemão ao que ainda acredita.
Com isso, bloqueou o jogo da sua rotina aos poucos em um longo processo de desintoxicação nestes dois anos, mesmo sem ajuda de um profissional da saúde mental. Atualmente desfruta do seu tempo por ajudar os outros a saírem do vício relatando a sua experiência para os outros. Neste caso, a sua experiência é a sua principal ferramenta para dar luz aos desesperados. Mas isso só começou quando encontrou o psicólogo goianiense Vinícius Xavier em um curso na Capital do Maranhão.
Vinícius é um psicólogo e professor do Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG) e é especialista no tratamento de pacientes com comportamentos adictivos. Porém, há dois anos entrou de cabeça no campo dos vícios em apostas desde que viu um aumento de pacientes com este comportamento. Para ele, a popularização de serviços de apostas no País como as plataformas “bets” de esportes e o jogo do tiger fortune levaram mais pessoas que já eram vulneráveis para a dependência das apostas.
Comportamentos Adictivos e Saúde Pública
Isso porque diz como a forma da dependência em apostas funcionam na mente do indivíduo é similar a dependência de outros itens como as drogas psicoativas. Segundo ele, as vias receptoras de prazer são “inundadas” pela sensação de apostar. Por causa disso, o vício pode gerar um ciclo da busca de mais prazer para as pessoas que já são vulneráveis aos comportamentos adictivos.
De acordo com ele, existem dois mecanismos psicológicos que rodeiam este ciclo: o ato de apostar em si pode gerar prazer para alguns indivíduos, e o outro é a crença de que conseguem resolver algum problema como a perda em uma aposta por aposta novamente.
Para isso, diz que psicólogos especializados como em TCC (terapia cognitivo-comportamental) possuem tratamentos para que as pessoas consigam ter a vida de volta. Como diz, o pior fator dos vícios é como eles conseguem mudar a forma de pensar das pessoas que estão dentro do processo. “Nós fazemos um programa que inclui um projeto de Mudança de Estilo de Vida, que é voltado para a reconstrução de hábitos que levavam o indivíduo a jogar. A construção de um Plano de Prevenção à Recaídas, buscando identificar situações de risco que o indivíduo poderia se colocar, o vulnerabilizando ao jogo”.
Vícios em apostas como preocupação da saúde pública
Com uma possível legalização dos cassinos e dos jogos de azar em um futuro próximo, o psicólogo teme que o assunto não seja tratado de uma forma assertiva com políticas públicas que lidem com os vícios. Como exemplo, cita como atualmente não há um programa nacional a fim de reduzir o consumo e potencialmente o vício do álcool e do cigarro e como o governo não responsabiliza as companhias por induzir ao vício dos brasileiros.
Ainda cita a forma como os cassinos e casas de azar operam para reduzir as probabilidades de ganho e aumentar a retenção de usuários no local assim o fazendo gastar dinheiro sem a necessidade. “É um sistema que a casa sempre vai ganhar porque foi pensada desse jeito”.
Atualmente, o Projeto de Lei Nº 2.234/2022 já visa medidas restritivas na forma como eles podem funcionar para limitar a quantidade de cassinos em um estado, os alvarás de terra e as atividades dentro. Contudo, ainda não delimita um órgão fiscalizador para que estas atividades sejam conforme o esperado.
Saúde Mental e Legalização das Casas de Apostas
Esta preocupação também é da saúde mental pública por poder aumentar a parcela de pessoas vulneráveis em pessoas dentro do processo vicioso. De acordo com o psiquiatra e gerente da Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Tiago Oliveira, relata ter visto um aumento na procura destes casos nas clínicas pela popularização do serviço, mas que não consegue dizer a quantidade pela falta de estudos dentro dos casos em Goiânia. Na Capital, as principais clínicas públicas que atendem estas demandas são nos Centros de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) “Atualmente os jogos patológicos são uma condição estudada dentro do capítulo de transtorno de substâncias e aditivos”.
Contudo, relata uma preocupação para a saúde mental pública quanto a legalização das casas de apostas sem uma devida atenção especial. “A nossa preocupação é que com a medida do acesso a isso você vai ter mais pessoas vulneráveis desenvolvendo esse transtorno. E a rede [CAPS AD] não tem folga para receber [essas pessoas], na verdade é uma rede sobrecarregada.” (Especial para O Hoje)