Filhos de embaixadores sofrem abordagem policial no Rio
No início do mês, policiais militares do Rio de Janeiro abordaram de forma violenta jovens negros que estavam à passeio na capital carioca
No dia 3 de julho, policiais militares do Rio de Janeiro abordaram de forma violenta jovens negros que estavam à passeio na capital carioca. Vindos de Brasília (DF), esses jovens eram filhos de representantes do Canadá, Gabão e Burkina Faso.
Imagens de câmeras de segurança mostram esses jovens próximos à portaria de um prédio, até onde acompanharam um dos jovens que conheceram durante a viagem. O embaixador do Gabão contou em depoimento que o filho e os outros jovens teriam visto os policiais na Praia de Ipanema antes da abordagem, e que eles estavam com armas para fora da janela da viatura.
O embaixador do Gabão e de Burkina Faso foram pessoalmente reclamar ao chefe do cerimonial do Itamaraty, ministro Mauro Furlan. Logo, o governo federal exigiu que o Rio de Janeiro fizesse uma apuração rigorosa e responsabilizasse adequadamente os policiais.
Ainda em depoimento do dia 7/7, o embaixador do Gabão afirma que seu filho, de 13 anos, foi “vítima de humilhação e violência psicológica”, além de comportamento racial, e que desde o episódio, ele “está abalado psicologicamente”.
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Raiana Rondhon, mãe de um dos jovens, foi quem primeiro denunciou o ocorrido. Em uma publicação do jornalista Guga Noblat, ela relatou que os jovens tiveram uma abordagem abrupta pelos policiais. “Armados com fuzis e pistolas, e sem perguntar nada, encostaram os meninos (menores de idade) no muro do condomínio […] Com arma na cabeça e sem entender nada, foram violentados. Foram obrigados a tirar os casacos, e levantar o ‘saco’”.
Marcas deixadas pela violência racial
Abordagens sem motivo e feitas de maneira agressiva não são novidade em nosso país. Mas as marcas vão além do físico, chegando ao psicológico. A professora da disciplina de Cidadania e Direitos Humanos da Universidade Federal de Goiás apontou tópicos importantes a respeito disso.
Luciene Dias afirma: “o que aconteceu é reflexo do que acontece no país desde a constituição do país enquanto nação. A gente vem de um processo de racialização necessário por parte do projeto de dominação colonial necessário para transformar a pessoa negra em não humana”.
A professora diz que atualmente as instituições, corporações e o Estado nacional ainda aplicam esse mesmo modelo, que “mata a pessoa negra na sua estrutura”. A questão é um problema social, não tendo resolução numa sessão de terapia.
Além de disso, a docente aponta que “quem é mãe de criança negra no Brasil desde muito cedo entende que, se essa criança é um menino, ele já não pode sair de casa sem seus documentos a partir dos oito anos de idade. Porque ele pode sofrer uma abordagem violenta policial”.
Luciene também levanta a questão do elitismo: quando a polícia militar repara que se tratavam de jovens negros ricos, a abordagem chega ao fim. Afinal, “ao descobrir que se tratavam de adolescentes ricos, pede desculpas. Por que pedem desculpas? Porque entenderam que pela estética, pelo fenótipo, que aquelas pessoas poderiam ser pobres do morro. Porque essa é a estética”.