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Essência

Hocus Pocus: rock’n roll e amizade

Um dos sebos mais queridos de Goiânia completa 24 anos com muita festa e história para contar

Postado em 20 de fevereiro de 2016 por Redação
Hocus Pocus:  rock’n roll e amizade
Um dos sebos mais queridos de Goiânia completa 24 anos com muita festa e história para contar

José Abrão

Visitar a Hocus Pocus é mais do que ir às compras, é uma experiência sensorial. O forte cheiro de incenso, o tato e odor característico do papel velho e de páginas amareladas, o mosaico colorido e irregular das páginas, pôsteres e fotos que cobrem as paredes e os tetos. Tudo isso é característico e marcante. É um lugar único. “Temos um clima bacana com a freguesia antiga e com a meninada. A loja é bonita e agradável. Quem não conhece a loja, quando entra, fica deslumbrado. Por­que não existe outra loja assim na  capital. Sem vendedor, sem pressão, você pode ficar de boa olhando. Tem essas co­lagens… elas são refeitas com frequência. Alguma coisa de teto ainda é mais antiga, mas temos que repor porque o sol bate e vai desgastando”, conta Moacir Assunção Júnior, mais conhecido como Júnior, um dos proprietários e balconista da loja há qua­se um quarto de século.

Hoje, a Hocus Pocus celebra seus 24 anos de estrada com uma festa gratuita no Grande Hotel com direito a shows de bandas, barraquinhas e muita conversa fiada. Com mais de duas décadas de história, o lugar passou de uma simples lojinha para algo que faz parte da cultura alternativa da capital goiana. Com dois andares, o térreo vende especialmente gibis, mangás, revistas e camisetas. No andar de cima, tem discos de vinil, CDs e livros. Visitar a loja envolve outra atividade: garimpar. São muitos os tesouros escondidos. No vasto catálogo, é possível encontrar publicações esgotadas ou encerradas há muito tempo, como a revista Dragão Brasil, publicação pioneira sobre RPG no mercado nacional.

Entre os gibis, muita coisa noventista, como Spawn e as HQs em formatinho da Editora Abril, ou mesmo prateleiras e mais prateleiras de gibis do Tex e pelo menos duas caixas de romances eróticos baratos. Até grandes coleções do Conan podem ser encontradas por lá, além de pilhas e mais pilhas de gibis da Turma da Mônica. Júnior comenta sobre a resistência da Hocus Pocus com uma certa surpresa e também modéstia: “Abrimos em 1992, eu e o Luiz Antônio, meu irmão. Por frequentar sebos e gostar desse ambiente, abrimos a loja. A sobrevivência é do mesmo jeito, mas passamos da fase do vinil, do CD e do DVD. Todos acabaram e a gente ainda continua. Aqui embaixo trabalhamos com o foco em quadrinhos. A gente trabalha meio que catamdo: um colar aqui, uma camiseta ali, uma HQ, um mangá e vai levando…”

Ele conta que as notícias de sebos, livrarias e bancas fechando chegam a ele todo dia. “Por trabalhar com os fornecedores desses sebos, essas notícias sempre chegam pra gente. Banca de revista agora tem que vender picolé, passe de ônibus e manter os jornaizinhos ali. Não é promissor esse segmento. Deve tá quebrando uma banca por mês aqui em Goiânia. E de livros também”. Mas ele não desanima “A crise passa. Na toada da gente aqui, estamos sempre satisfeitos, o mercado, para a gente, nunca esteve bom”. Ele até faz piada com o fato de que ele é o único funcionário. “O outro é o gato, Baxola (risos). Estamos aí, firmes, mas o mercado não anda para peixe nesse segmento. Mas como trabalhamos enxutos e com grande variedade de produtos, ainda conseguimos nos manter”.

Sob re os frequentadores, ele conta que o público é dividido: existem os fãs fiéis e a meninada adolescente. “Tem muito fã fiel. Pelo fato de a loja ter 24 anos, gente que vinha aqui quando era estudante, casou e já começa a trazer os filhos. Ou nos quadrinhos ou no esquema Turma da Mônica para conhecer a loja, vai passando de geração em geração. E tem um público que acompanha a gente há 20 anos, como os colecionadores, ou gente das cidades ao redor que passa aqui quando vem ao Centro, dá uma olhada, troca uma ideia”, disse. Sobre os adolescentes, ele disse que com a crise econômica fica mais difícil. “Em época de crise assim, pai não libera muita grana para a meninada. Vem muito menino ainda, adolescente, pré-adolescente, mas de grana deu uma raleada. Mas vem muitos clientes regulares, assalariados. É meio a meio. Ninguém costuma ficar muito embaçando aqui, sempre vem, compra uma camisetinha. O foco da loja mudou com o tempo, ficou mais para os quadrinhos do que para o rock, como era há uns 15 anos. Deu uma ampliada no leque de clientes, mas a galera do rock continua frequentando e fizemos muita amizade com o pessoal de banda”.

O registro dessa amizade está em um portal ao lado do balcão, coberto de fotos. “Tem a sessão de foto que eu preservo, desde lá embaixo, a gente mantém. Era de conhecidos ou fotos que a gente achava dentro de gibis ou revistas e alguns amigos foram deixando e fomos ampliando e preservando, vamos cobrir esse portal aqui com foto 3×4”. No line-up do aniversário estão as bandas Diabo Velho, Repugnância, Mechanics e Terror Revolucionário. Muitos dos músicos são antigos frequentadores da loja. “O Aurélio, da banda Diabo Velho, a gente conhece ele desde antes da loja, quando ele tocava na HC-137. O Valquir, do Repugnância… O Marcio Jr é cliente da loja, lançou seu primeiro zine dele aqui em 1993. Os anos foram passando, mas a amizade ficou. A gente continua parceiro”, relata Júnior. 

Mesmo assim, Júnior é modesto na hora de falar se a Hocus Pocus teve um impacto na cultura da cidade. “Eu acho que a loja influenciou, sim, mas foi andando junto. As bandas goianas deram uma contribuição para a gente seguir o nosso rumo, assim como a gente influenciou uma galera que pegou outro norte, que poderia ter tido uma vida ‘normal’, tradicional, se não fosse a gente. Acho que é uma soma, um resultado do melhor dos dois lados”. Uma influência que não se limita só a Goiânia. A loja possui um vasto catálogo de fanzines e de HQs nacionais. Muita coisa segmentada e autoral é vendida por lá, como Turma da Mônica em braile e as HQs do Rafael Coutinho.

Um fato interessante foi que uma fanzineira conhecida de São Paulo, a editora NFL, colocou de graça uma propaganda da loja na contracapa de uma das edições e dentro de uma das histórias. “A gente fazia uma doação simbólica pra ele botar o logo da loja e ele mandava material pra gente, isso desde uns 15 anos atrás, coisa pouca, coisa de R$ 50. Aí, há uns quatro  anos ele mandou isso aqui com a propaganda da loja sem a gente dar dinheiro e ele disse que foi retribuição por a gente sempre ajudar ele. Foi um presentão para a gente, foi muito legal”. Sobre a festa, Júnior disse que a loja celebra todo ano, mas há seis anos não havia uma festa aberta e oficial. Foi tudo feito na “brodagem” e com a ajuda e apoio de amigos e parceiros: “Sempre fizemos festa, achamos uma filmagem de dez anos da loja, na garagem aqui atrás e quem apresenta as pessoas é o Léo Bigode (Leonardo Razuk, da Monstro Discos). Bem antes disso, eu já fazia na loja, e desde aquela época o Mechanics já tocava aqui. A última festa foi quando completamos 18 anos”. 

A escolha do local não foi aleatória. Em parceria com o produtor cultural e frequentador da Hocus Pocus, Kaio Bruno Dias, o Grande Hotel foi escolhido para movimentar culturalmente o Centro. “Aí tivemos essa ideia de democratizar os lugares públicos, o Kaio Bruno abraçou a ideia e fez questão que a gente fizesse a festa lá. O Centro praticamente morreu, nos fins de semana não tem nada, mas essa galera está reconquistando esse espaço”, disse Júnior.

Marcado para as 14h e com hora para acabar (19h), Júnior espera reunir velhos amigos e atrair novos frequentadores: “A faixa etária será de 40 a 50 anos, mas vai ter a meninada tam­bém. A galera mais velha é quem acompanha a loja. O Marcelo da Old Studio a gente alugou o som deles. Tentamos privilegiar essa galera que sempre acompanhou a gente. A arte do flyer foi o Márcio Jr quem fez, não cobrou nada. Tudo na brodagem”. E para o futuro, qual é o desejo? “Desejamos mais 24 anos. Com essa amizade que as pessoas sempre fortalecem. A festa é coletiva, a moçada faz questão, é um reencontro das pessoas que frequentam a loja. Vida eterna pra gente aqui, né?”. 

 

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