Pena de morte bate recorde em 25 anos
Mais de 1,6 mil pessoas foram executadas por 25 países no ano passado, quase 90% delas concentradas no Irã, Paquistão e Arábia Saudita
Nos últimos 25 anos, as condenações à pena de morte jamais haviam chegado ao recorde anual alcançado em 2015. Um relatório divulgado pela Anistia Internacional revela que pelo menos 1.634 pessoas foram executadas por 25 países no ano passado. Embora mais de dois terços das nações já tenham abolido completamente a pena capital, a sobrevivência da prática altamente concentrada em alguns países levou o índice anual de execuções a mais do que dobrar na comparação a 2014.
Do total de condenações, quase 90% se concentram em apenas três Estados: Irã, Paquistão e Arábia Saudita. Em 2015, as execuções sauditas cresceram 76% na comparação ao ano anterior, alcançando pelo menos 158 pessoas. Enquanto isso, o governo iraniano registrou 977 aplicações da pena capital, em sua maioria por conta de crimes relacionados às drogas. No Irã, as punições incluem ainda a morte de pelo menos quatro infratores juvenis, que cometeram crimes antes dos 18 anos: uma clara violação da legislação internacional.
Já no Paquistão, a justificativa da luta contra o terrorismo trouxe a pena de morte de volta em dezembro de 2014, após anos sem registros da prática no país. No ano seguinte, o resultado foi a execução de 320 pessoas pelo governo paquistanês. No entanto, segundo especialistas, a maioria dos condenados é composta de não terroristas, de menores de idade e, não raro, de inocentes.
Desproporcional
Para a diretora da organização britânica Reprieve, Maya Foa, a dramática repetição de execuções por crimes não violentos é a prova de que esta é uma punição desproporcional – e frequentemente uma ferramenta política a serviço de regimes políticos altamente opressores. Além dos crimes relacionados ao transporte de drogas, geralmente entre as camadas sociais mais pobres e vulneráveis, uma parcela expressiva das penas capitais pelo mundo decorre de blasfêmias, sequestros, atos corruptos, adultérios e questionamentos a líderes políticos.
“Vemos a intensificação da repressão em certos países, principalmente nos casos de protestos de jovens. Em regimes muito fechados, é crime ter voz e opinião. A aplicação da pena de morte é muito desproporcional e, definitivamente, uma violação dos direitos humanos. Esta definição de crime inclui frequentar protestos, o que seria um ato livre em uma democracia”, explica Maya, que dirige as ações de combate à pena de morte pela organização.
Nos próximos anos, milhares de pessoas ainda deverão ser alvo de execuções penais, alimentando a preocupação a longo prazo dos defensores dos direitos humanos. Quase 2 mil pessoas foram levadas ao corredor da morte no ano passado. No fim de 2015, mais de 20 mil sentenciados esperavam o dia da sua execução.
Opinião pública
A assessora de direitos humanos da Anistia Internacional, Fátima Mello, ressalta a importância da opinião pública como motor das campanhas pelo fim das execuções penais em diferentes escalas:
“O ambiente internacional favorável à abolição da pena de morte pressiona os países que ainda tem este tipo de legislação. A opinião pública tem o papel de constranger governos e pressioná-los por melhorias. Há dados que nos oferecem esperança, como a abolição da pena de morte por quatro países no ano passado: Fiji, Madagascar, República do Congo e Suriname”, explica.
Além disso, a dificuldade na obtenção de informações se põe como obstáculo ao alcance de avanços expressivos na luta contra a pena de morte. Este é o caso da China, apontada pela Anistia Internacional como “maior carrasco mundial”, que mantém suas execuções em sigilo, enquanto é considerada a nação que mais aplica execuções penais no mundo. A estimativa das organizações internacionais é que milhares de pessoas sejam mortas pelo governo a cada ano.
“Na China, assim como em outros regimes fechados, existem muitas organizações que trabalham pela garantia dos direitos humanos, embora sem tanta visibilidade. Esta força de mobilização pode gerar mudanças ao lado da pressão internacional”, acredita Fátima Mello. (Agência O Globo)