Kleber Mendonça Filho se diz impressionado com Cannes
‘Aquarius’, novo filme do diretor pernambucano, vai concorrer à Palma de Ouro
Por Fabiano Ristow/Agência O Globo
Kleber Mendonça Filho até tentou não criar expectativas. Em janeiro, disse ao GLOBO que “Aquarius”, seu primeiro longa depois do aclamado “O Som Ao Redor” (2012), talvez nem ficasse pronto em 2016, apesar de ter aparecido na lista das produções mais aguardadas do ano de revistas especializadas como a francesa “Cahiers Du Cinéma”. “Aquarius” não só ficou pronto como foi selecionado, na quinta-feira (14), para concorrer à Palma de Ouro no 69º Festival de Cannes (11 a 22 de maio).
“Eu menti”, ri o pernambucano. “No fim de março, a comunidade cinematográfica fica atenta, querendo saber o que vai para Cannes. Quando você sabe que seu filme foi apresentado (à organização) e de repente não é selecionado, isso gera um efeito muito negativo. Então, quando me perguntavam em entrevistas quando o filme ficaria pronto, dizia que, talvez, só em 2017. O que até poderia acontecer, mas, essencialmente, era uma mentira”, acrescenta.
Primeiro filme dirigido por um brasileiro a disputar a Palma de Ouro desde “Na Estrada” (2012), de Walter Salles, “Aquarius” é um dos 20 títulos selecionados para a competição, entre projetos de Pedro Almodóvar (“Julieta”), dos irmãos Dardenne (“La Fille Inconnue”), de Xavier Dolan (“It’s Only The End Of The World”) e de Nicolas Winding Refn (“The Neon Demon”).
Na trama, Sônia Braga vive Clara, escritora e jornalista aposentada, viúva e mãe de três filhos. Segundo a sinopse, a personagem é moradora do “edifício Aquarius, o último de estilo antigo na beira-mar do bairro de Boa Viagem, no Recife. Dona de um apartamento repleto de discos e livros, ela irá enfrentar as investidas de uma construtora que tem outros planos para aquele terreno”.
“É muito importante a ideia de alguém defender o seu espaço. É o que fazemos naturalmente, todos os dias, seja no trabalho, seja no trânsito, seja nas relações pessoais. No filme, isso ganha um formato literal, que é a sua casa, um espaço de arquivo pessoal”, desenvolve Mendonça Filho, traçando um paralelo entre a trama e os últimos acontecimentos políticos. “Vivemos num País não muito preocupado em preservar a História e profundamente dividido politicamente. Acho que, por tudo isso, quis contar essa história”, diz.
As transformações urbanísticas por que passa o Brasil são um tema recorrente no cinema pernambucano.
“Recife foi irrigada pelo mercado. O senso de comunidade foi esmagado. Existem interesses pelo controle da cidade. Isso nos afeta, e algumas pessoas fazem filmes. Acho perfeitamente compreensível que gente como o Marcelo Pedroso, a Renata Pinheiro e o Gabriel Mascaro abordem isso. O cinema pernambucano é composto por filmes que, cada um à sua maneira, se comunicam. ‘Aquarius’, assim como ‘O Som Ao Redor’, tem muito desse clima perceptível.
Mendonça Filho se diz orgulhoso do resultado final. Lembra que um de seus maiores medos enquanto cineasta é “perder o tesão” por um filme no meio da produção. Não foi o caso em “Aquarius”. Mesmo assim, ele evita opinar sobre o longa. Sua ansiedade, reforça, reside em mostrá-lo ao mundo para, aí sim, conversar sobre ele. A respeito de ter sido selecionado para a mostra principal do evento francês, que neste ano terá George Miller (da franquia “Mad Max”) como presidente do júri, ele fala que se trata de um momento “especial”:
“Tenho uma história com o festival porque trabalhei como crítico por 13 anos. Sempre amei cinema, e Cannes era um ponto importante dessa área. Em 2005, tive a alegria de exibir meu curta “Vinil Verde” na Quinzena dos Realizadores. E agora meu longa está lá. Para mim não é algo pequeno. Fico impressionado. O mundo dá voltas. Neste ano, irei a Cannes pela 18ª vez, mas de maneira muito diferente, porque será para apresentar um filme feito por uma equipe grande, com pessoas que amo, incluindo a Sônia”, finaliza.