“O dono do morro é o presidente da favela”, diz escritor
Britânico Misha Glenny fala, na Festa Literária de Paraty, a respeito de seu livro que aborda a história do traficante Nem
Vinícius Lisboa / Repórter da Agência Brasil
O jornalista britânico Misha Glenny estava no Brasil em 2011, quando o traficante Nem, chefe do crime organizado na Rocinha, foi preso. O assunto ganhou destaque no noticiário e chamou a atenção do autor, que estava à procura de um assunto que contasse a complexidade do Brasil e quebrasse os estereótipos sobre o País. Esse interesse fez nascer o livro O Dono do Morro: Um Homem e a Batalha pelo Rio, da editora Companhia das Letras.
“Nos dias seguintes, eu lia tudo sobre o Nem da Rocinha nos jornais. Assisti à televisão e fiquei impressionado que a metade do Rio acreditava que o Nem foi um demônio e a outra metade considerava ele um herói. Como um tipo de Robin Hood”, conta ele, que é um dos autores convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) e participou de uma mesa com o jornalista brasileiro Caco Barcellos na tarde de ontem (30). “As favelas e as quadrilhas têm um impacto tão grande na vida dos moradores, mas essa história muito importante é normalmente uma história não escrita. Quero contribuir para contar os acontecimentos no Rio que somente poucas pessoas sabem”, completa Glenny.
Em 28 horas de conversas com Nem no presídio e de entrevistas com aliados, inimigos e familiares do traficante, Misha conta o que entendeu do personagem e de como o crime organizado controla as favelas do Rio de Janeiro. O britânico morou por dois anos na Rocinha, aprendeu português e contou com a ajuda de jornalistas brasileiros no levantamento das informações.
“O dono do morro não é só o chefe do tráfico, ele é de fato o presidente da favela onde mora. Esse foi o caso com o Nem da Rocinha. Os três instrumentos de controle são primeiro o monopólio da violência, segundo, o apoio da comunidade, e terceiro, a corrupção da polícia”, descreve ele, que encontrou em Nem um “dono do morro” com características peculiares, como ter entrado para a facção criminosa apenas aos 24 anos, quando já tinha experiência profissional em coordenar uma equipe de entrega de revistas no morro. “O Nem percebeu que se a taxa de homicídios e a violência caíssem, os lucros do negócio subiriam”. Isso fez com que a Rocinha passasse a ser encarada pelos consumidores de drogas como “um lugar seguro para comprar”. “O dono do morro (o traficante Lulu) reconheceu seu talento bem rápido, e é por isso que ele ascendeu muito rapidamente”.
Misha Glenny conta que a chegada de Nem ao tráfico foi motivada pela necessidade de custear o tratamento médico de sua filha, que havia sido diagnosticada com uma doença rara ainda bebê. “Para mim, ele foi um símbolo da desigualdade da sociedade brasileira e da sociedade carioca. E de como é uma sociedade bem dividida”.