A importância de ouvir
Nobel de Literatura, Svetlana Alekslévitch diz que devemos prestar atenção às histórias e a quem as conta
Amanda Damasceno, de Paraty / Especial para O Hoje
Conhecida ao redor do mundo por seus relatos de tragédias – guerras e desastres – a partir de quem as viveu, a bielorrussa Svetlana Alekslévitch foi à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2016 como a convidada principal da festa e trouxe para o grande público que queria ouvi-la uma conversa franca e forte – assim como sua obra. Vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 2015, Svetlana só tem publicados no Brasil dois livros: Vozes De Tchernóbil e A Guerra Não Tem Rosto De Mulher.
Editados neste ano pela Companhia das Letras, os livros comprovam aquilo que a escritora afirmou durante a conversa com o jornalista Paulo Roberto Pires: seu método de escrita busca, muito além de simplesmente entrevistar, ouvir as pessoas e as histórias que elas têm a contar. Jornalista por formação, a bielorrussa chegou a praticar o ofício, mas sentiu que ele era incompleto, superficial e valorizava notícias banais.
O jornalismo não a deixou completamente, uma vez que ela escreve sobre dramas reais, a partir do ponto de vista de quem os vivenciou, mas a autora garante que o que diferencia sua obra é que ela não faz entrevistas, como vemos no dia a dia jornalístico, mas tem conversas com quem quer contar o que viveu. Para cada livro são centenas desses diálogos, que acabam sendo transformados em grandes monólogos, com pouca interferência narrativa.
Mesmo sendo reconhecida como escritora de catástrofes, a bielorrussa não se vê assim. “Apenas revelo a alma humana em momento de sacrifício”, explicou. Mas ter tanto contato com uma humanidade sofrida, a sensibilizou de tal forma que ela foi categórica ao público – que lotou a Tenda dos Autores e a Praça do Telão – ao dizer que não consegue mais ir a um campo de batalha, ver pessoas mortas ou escrever sobre a guerra.
Ela afirmou que, após ver tantas cenas horríveis, de corpos em pedaços, ou ouvir tristes relatos sobre quem vivenciou conflitos e tragédias, não consegue explicar como sobreviveu a essas experiências. “Mas sei o que me salvava, o que me salvou: é que eu amo a vida. Temos a que nos apegar”, declarou.
O amor é, inclusive, o tema de seu próximo livro. “E está mais difícil que escrever sobre a guerra”, contou. De acordo com ela, que trabalha nessa história a partir de depoimentos de homens e mulheres da Bielorrússia, as mulheres falam do tema com mais facilidade, enquanto os homens são mais duros e subjetivos nas respostas. Acostumada a ouvir relatos femininos, a dificuldade da escritora é, portanto, “encontrar a chave para a voz masculina”.
As histórias, explicou, por mais que sejam sobre este sentimento considerado tão sublime, ainda são permeadas por momentos tristes, guardam tragédias como a de Chernobyl e as guerras por trás. Porém seguiu afirmando que a única alternativa é o amor. “Na vida, há momentos em que se consegue ganhar força e continuar a enfrentar as dificuldades. Acho que tenho de passar, no que faço, essa beleza. É a única saída para nós ”, finalizou a bielorrussa.
*A repórter viajou a convite do Itaú Cultural
Foto: divulgação