Cordel e xilogravura: a rima e o entalhe da gente
Literatura de Cordel. Mas a rima e a métrica não fazem cordel sozinhas; sem a xilogravura
Elisama Ximenes, de São Paulo
Varal é lugar de se pendurar roupa – engana-se o sem criatividade ou até sem imaginação. Quem é de Juazeiro pode até estender umas roupas, mas é normal também ver uns livrinhos fininhos e coloridos pendurados na cordinha. Mas oxê! Parece até que o livro molhou para estar secando. Foi não! É que a poesia do Nordeste é exibida desse jeito mesmo. Chama-se Literatura de Cordel. Mas a rima e a métrica não fazem cordel sozinhas; sem a xilogravura, o estilo fica quase que sem identidade. João Pedro do Juazeiro – do Norte, no Ceará – sabe bem disso, tanto que faz 17 anos que ele trabalha com a arte de xilogravar.
Foi na 24ª Bienal do Livro de São Paulo que o Essência conheceu o artista. O sotaque cearense comprova que o talento está no sangue. O olhar por cima dos óculos, a princípio, faz parecer que só anda desconfiado, mas depois dá para entender que trata-se mais de sabedoria que de desconfiança. “Eu nasci nesse caldeirão da arte popular; meu gibi era a Literatura de Cordel”, é o que responde quando se pergunta como que tudo começou. Além de xilogravurista, João é também editor, escritor, cordelista e ceramista. Seu nome está na cadeira 23 da Academia de Letras do Ceará. Os prêmios são incontáveis, e já foi até para o exterior.
Enquanto contava sobre sua vida e a paixão pelo ofício, era chamado pelo companheiro Valério Costa, também xilogravurista, a andar rápido com a prosa, porque havia de dar uma oficina dali a pouco. “Não, eu estou conversando aqui, rapaz, começa lá que eu já vou”, engabela. E continua. Conta que a luta para viver da arte não foi fácil. “A xilogravura nunca foi um hobby para mim”, faz questão de enfatizar. Desde sempre, enxerga na arte uma possibilidade de sobrevivência, de sustento da família. Hoje, inclusive, a esposa e filhos o acompanham no fazer. A obra Frei Damião o colocou no mercado, e foi então que o sonho de ser sustentado por sua arte começou a se concretizar.
Em 1999, recebeu o primeiro prêmio. Daí para frente, o poeta da madeira seguiu crescendo e ganhando credibilidade com o que fazia mundo afora. As questões políticas, revoluções sociais e, no geral, as vivências do Nordeste são os principais temas abordados em sua arte, seja no entalhe ou na escrita. “Eu procuro por justiça, liberdade, caridade e paz. Nosso País, infelizmente, ainda é muito escravocrata”, explica. Essas temáticas são características da arte nordestina. É a deixa para o artista contar um pouco da história do ofício que exerce.
Xilogravura
Não se sabe, ao certo, a origem de tal arte ou técnica de impressão. Especula-se que tenha origem oriental e que os chineses são os responsáveis por sua criação. A xilografia é praticada por eles desde o século 6. Durante a Idade Média, chegou ao Ocidente e ganhou inovações no século 18. Já no século seguinte chegou à Europa e influenciou a arte ocidental. Disseminada como técnica de impressão, perde sua força no século 20 devido à invenção de outras técnicas como a fotografia. É aí que é fortemente apropriada por artistas e artesãos. Já utilizada pelos portugueses, é trazida para o Brasil e desenvolvida na Literatura de Cordel.
A xilogravura, conforme a etimologia da palavra, significa “gravura em madeira”. Trata-se da técnica em que se utiliza um pedaço de madeira para entalhar um desenho de maneira a deixar em relevo os traços da obra. Depois, o artista pinta a parte desenhada, e, em seguida, prensa a madeira contra um papel para, literalmente, imprimir a imagem. O que aumenta o grau de dificuldade do trabalho do artista é o fato de que o desenho é impresso do lado contrário ao que foi entalhado, portanto é preciso pensar nisso desde a concepção do desenho. O dicionário Larousse define a xilografia como “arte de gravar em madeira; técnica de impressão em que o desenho é entalhado com goiva, formão, faca ou buril em uma chapa de madeira”.
João do Juazeiro conta que é a madeira quem lhe diz o que será xilogravado. Ele observa as formas, algum risco ou deformação que dê alguma dica do desenho que está guardado ali dentro. É a partir daí que ele começa a entalhar. “É como se houvesse vestígios da imagem na madeira”, explica. É o despertar de uma imagem adormecida, como ele mesmo descreve. Para João, o artista que entalha a madeira é como se fosse seu cirurgião plástico. Deixa o pedaço mais bonito, artístico. Para ele, não se trata de criar uma imagem ou pensar no que irá fazer ali, mas, sim, no que irá surgir ali. Trata-sede um renascimento da imagem, que aprecia estar guardado ali há um tempo que não se mede.
Os anos 40 foram marcados pelo período de destaque da xilogravura no Nordeste. Já na década de 1960, ela ganhou status e foi apropriada por intelectuais. É por essa extensão da arte que Valdério Costa também é xilogravurista, apesar de ter se formado em Artes Visuais na Universidade de Brasília. Associada à cultura popular nordestina, pouca gente imagina que gente do ensino superior vá criar interesse por tal arte. Valdério é de Natal, Rio Grande do Norte, também no Nordeste, mas o interesse pela arte na madeira começou na faculdade com influências da cultura da terra natal. O avô era contador de histórias, e o filho virou ilustrador. O nordestino que estudou no Centro-Oeste hoje expõe suas obras no Brasil todo.
As pesquisadoras Claudilaine Lima e Sandra Guedes, no trabalho O Reino Mágico da Xilo(gravura), entendem a técnica não só pela definição aqui descrita, mas pelo seu caráter “cultural, social, literário, poético, político, educativo e artístico” no Nordeste. “A xilogravura é esculpida por interioranos, camponeses e citadinos, que expressam a vida do homem com a natureza, as lendas, os mitos, a religiosidade, enfim, tudo que retrata as histórias, os conhecimentos e as experiências de vida”, postulam as pesquisadoras. É a partir dessa característica que a arte de imprimir com a madeira entalhada conversa bem com as histórias contadas pelos mestres nordestinos da métrica.
‘Dos trovadores nasceram cantadores e violeiros’
aOs folhetos, recheados de poemas populares, expostos em cordas são chamados de cordéis. O nome é homonimo da corda em que ficam pendurados: cordel. A Literatura de Cordel é o estilo em que são escritos os poemas que compõem os folhetos no varal. A rima e a métrica são tão rigorosas, no texto, que os cordelistas recitam os versos de maneira melodiosa e cadenciada. Quem lê um cordel imagina-se quase que cantando. Tem até quem recite acompanhado de viola. Com instrumental de fundo ou não, a música por de trás da poesia fica implícita, e a empolgação e a animação tem de ser a mesma, afinal, é preciso conquistar os possíveis compradores.
O paraibano Leandro Gomes de Barros, nascido em 1865, é considerado o primeiro cordelista brasileiro. Também a ele é dado o título de rei dos poetas populares. Começou a escrever em 1889 e, em 1907, confessa em uma de suas autorias: “Leitores peço-lhes desculpa/ se a obra não for de agrado/ Sou um poeta sem força/ o tempo me tem estragado,/ escrevo há 18 anos./ Tenho razão de estar cansado”. A xilogravura e o cordel sem xilogravura ficam quase que capengas quando se trata de arte popular nordestina. A arte presente em ambos compõem o imaginário e a identidade da região do País. É por meio dessa congruência e desse diálogo entre ambos que o folclore brasileiro é perpetuado e resgatado – verso a verso, talhe a talhe.
O nosso amigo João do Juazeiro faz jus à fama nordestina de bons contadores de história. A conversa segue e quase que ninguém percebe que o tempo passa. O que revela o alongamento da prosa são as vindas constantes do amigo Valdério, que o chama para a oficina que já junta uma multidão aglomerada à espera de aprender um pouco sobre os processos de criação da gravura em madeira. E João continua enrolando o amigo, não que ele não goste de ensinar, gosta e muito, revela. “Tem que repassar o conhecimento”, afirma. Ele ministra oficinas a crianças carentes com a intenção de possibilitar a elas que enxerguem no xilocordel – nome que dá à junção das artes – uma fonte de renda. Tudo o que é produzido na oficina é vendido, e os recursos são revertidos para o Fundo de Combate à Pobreza. Por que ele se dedica a isso? “Não é porque eu sou bonzinho, é que eu vi o que eu passei, eu sei o que está do lado de lá”, finaliza.
Como se faz uma xilogravura
Fonte:
http://obviousmag.org/archives/2014/03/xilogravura_passo_a_passo.html
1. Primeiro, uma placa de madeira plana
é lixada. O melhor tipo de madeira para este trabalho é a umburana, madeira
típica do sertão Brasileiro. Mas é permitido qualquer tipo de madeira. O ideal
é começar por uma lixa bem grossa e depois apara-se com a mais fina. Começa-se
da lixa mais grossa até a mais fina possível.
2. Depois de a madeira estar toda
lixada, o segundo passo é o desenho. Utiliza-se grafite 6B para um melhor
resultado. A imagem deve ser desenhada ao contrário, ou seja, com o efeito
espelhado como o carimbo.
3. Chegou a hora do entalhe. Corta-se a
madeira com ferramentas como as goivas e buris. Os traços do desenho são
cortados de maneira a ficar em alto relevo o que se quer que imprima no papel.
4. Na fase da pintura, Usa-se o rolo,
emborrachado, especial para gravuras, com a tinta gráfica. A tinta irá pintar
somente o que está em alto relevo.
5. Fase da impressão. Geralmente o
suporte é o papel, recomenda-se um papel de uma gramatura maior, mais grosso, e
poroso. O papel é colocado sobre a mesa e a matriz por cima do papel. Depois de
centralizado, o material é virado de forma com que, agora, a matriz fique
abaixo do papel. Em seguida, aperta-se o papel contra a matriz . Finalmente, o
papel é retirado e o resultado confErido.