Novela das oito: 50 anos de emoções na frente da telinha
Principal atração da TV brasileira, a ‘novela das oito’ da Rede Globo – que atualmente começa às nove – faz 50 anos de grandes histórias dentro e fora da TV
Júnior Bueno
No dia 12 de setembro de 1966, quando a Globo tinha apenas 1 ano de idade, foi ao ar às 20h o primeiro capítulo de O Rei dos Ciganos. Talvez ninguém soubesse, mas naquele dia começava um caso de amor que já dura seis décadas: a do brasileiro com a “novela das oito”. A emissora já havia exibido, um ano antes, a novela O Ébrio, mas era a retransmissão de uma novela produzida pela TV Paulista. O Rei dos Ciganos foi a trama a inaugurar a faixa das oito horas da noite na sede carioca da emissora.
Novelas são produzidas desde que a TV existe, e, antes dela, já existiam no rádio. Outros canais exibiram novelas que foram sucesso de crítica e de público como Pantanal (1990), na Manchete, ou Mulheres de Areia (1973), na TV Tupi. E a Globo exibe em sua programação novelas às 19h e às 18h desde seus primeiros anos. Mas nenhuma atração tem a força e o apelo da novela principal do horário nobre da maior emissora do País. “Pelo horário, podem-se abordar temas e tramas mais complexos – isso diferencia a novela das novelas de outros horários, que tem menor poder de penetração nos lares. É maior também a responsabilidade do autor, diretor e emissora”, explica Nilson Xavier, pesquisador sobre telenovelas e autor do Almanaque da Telenovela Brasileira.
A partir de 2011, com Insensato Coração, a emissora assumiu a expressão “novela das nove” e, aqui, vamos adotar as duas formas para se referir ao horário principal de telenovelas da emissora. Ao longo desses 50 anos, a novela foi responsável não apenas por entreter, que é seu objetivo principal, mas por inserir temas sociais nas discussões do público, além de difundir modismos e costumes. “A teledramaturgia brasileira diferencia-se da do resto das América Latina por emular a realidade. Logo, a identificação do público brasileiro é maior, fazendo com que ele replique em seu dia a dia a experiência da ficção”, diz o pesquisador.
Apesar de ser o principal produto da industria cultural no Brasil, a telenovela nos últimos tempos tem sofrido uma queda gradativa de audiência (mas não de popularidade). “Os tempos são outros, existem fatores de concorrência que não existiam há 15, 20 anos. Desde a TV a cabo, games e internet, até plataformas on demand impulsionadas pelo boom de séries”, opina Nilson. Mas ele acredita que, ainda assim, a telenovela ainda vai sobreviver por muito tempo graças à vocação dos brasileiros de gostar de acompanhar histórias de mentirinha para dar um colorido nas de verdade.
Ele explica: “O público brasileiro obedece a um padrão de audiência. Se a sociedade vai bem, quer ver alegria, vide Avenida Brasil. Se os tempos são de vacas magras, não quer saber de realidade nua e crua, vide Babilônia e A Regra do Jogo em 2015. Nesses tempos de crise, o público tem ficado mais tempo em casa e tem preferido o escapismo de histórias folhetinescas que fujam da realidade”.
Novelas que pararam o Brasil
Irmãos Coragem (1970) – Com uma trama mais realista, Janete Clair inovou ao unir futebol – paixão nacional na época da copa que rendeu o tri ao Brasil – com uma saga de luta por sobrevivência em um Brasil rural e coronelista. Um bang-bang à brasileira com homens fortes como protagonistas, Irmãos Coragem mostrou que novela não era só “coisa de mulher”, mas um entretenimento para toda a família. É o primeiro grande sucesso popular da Rede Globo, então uma emissora iniciante.
Selva de Pedra (1972) – Se uma novela hoje passa da casa dos 30 pontos, o feito chega a ser comemorado, o que é normal em tempos de concorrência com TV paga e internet. Imagine uma trama que foi vista em 100% das TVs ligadas. No dia 4 de outubro de 1972, o capítulo 152 da primeira versão de Selva de Pedra alcançou a invejável marca: todos os aparelhos do Rio de Janeiro assistiam à TV Globo. Todo mundo queria ver Regina Duarte, a Simone, que se passava por Rosana, desmascarada.
Dancin’ Days (1978) – Dancin’ Days foi tema, em 1978, de uma reportagem da revista americana Newsweek, que destacou a influência da novela sobre os hábitos de consumo dos telespectadores. Além de lançar modismos, como meias coloridas de lurex, ícones de uma geração, a novela promoveu produtos como água-de-colônia e sandália de salto fino. E foi a porta de entrada para a disco music no Brasil, que virou uma enorme discoteca ao som das Frenéticas.
Roque Santeiro (1985) – Novela mais vista da história da Globo, a trama fazia uma sátira política e social nos ano em que a ditadura acabou. A cidade fictícia de Asa Branca era uma metáfora do Brasil. Essa novela foi escrita em parceria de Agnaldo Silva com Dias Gomes, baseada na peça de teatro O Berço do Herói, deste último. Em seu derradeiro capítulo, a trama chegou à marca de três dígitos de pico ao alcançar a fronteira dos 100 pontos.
Vale Tudo (1998) – Com uma trama forte e críticas à corrupção vigente em todas as camadas sociais, a novela fez o público do Brasil inteiro se perguntar quem era o assassino da megera Odete Roitman (Beatriz Segall), só revelado no último capítulo. A novela inovou ao punir o mocinho com a prisão por pagar propina enquanto os vilões se davam bem. Marco Aurélio (Reginaldo Faria) fugiu do Brasil dando uma banana para o País e Maria de Fátima (Glória Pires) se casou com um príncipe italiano.
A Próxima Vítima (1995) – A trama policial em que um assassino misterioso eliminava várias personagens chegou aos capítulos finais cercada por grande suspense. Diante do assédio da mídia para descobrir o assassino e da repercussão da trama junto ao público, o autor Silvio de Abreu teve de fazer algumas alterações no desfecho da história policial. Chegou-se a cogitar a exibição ao vivo do último capítulo para evitar que o fim fosse descoberto antes da transmissão. Foi gravado antes, e os telespectadores souberam, então, que era Adalberto (Cecil Thiré) o assassino.
Emocionaram e fizeram pensar
O Rei do Gado (1996) – Discutir a questão do latifúndio no Brasil, tendo como pano de fundo o romance entre o pecuarista Bruno Mezenga (Antonio Fagundes) e a sem-terra Luana (Patrícia Pillar). Esse foi um dos méritos da novela de Benedito Ruy Barbosa. Com duas fases, a novela ultrapassou o universo ficcional e ganhou repercussão na mídia e na sociedade por tratar de questões importantes no País como a reforma agrária. A trilha sonora, recheada de medalhões da música sertaneja, é a mais vendida da história das telenovelas.
Laços de Família (2000) – Quem não se lembra da cena em que a personagem Camila (Carolina Dieckmann), quando se tratava de uma leucemia, raspou a cabeça? Embalada pelo hit Love By Grace, a imagem marcou a trama de Manoel Carlos, tornando-se uma das mais antológicas da teledramaturgia brasileira, e alavancou o número de doações de medula óssea no Brasil. A novela chegava aonde as campanhas do Ministério da Saúde não conseguiam.
O Clone (2001) – Levada ao ar pouco depois dos atentados de 11 de Setembro nos EUA, a novela de Glória Perez abordou a cultura mulçumana de uma forma positiva. A moda das roupas árabes e expressões, como inshalá, grudaram como chiclete no cotidiano brasileiro. A novela também inovou ao apresentar uma clonagem humana. É, até hoje, uma das novelas brasileiras mais vendidas para o exterior.
Senhora do Destino (2004)– Aguinaldo Silva inspirou-se no caso do menino Pedrinho, bebê sequestrado em 1986 por Vilma Martins Costa. A história mexeu com a opinião pública quando Vilma foi desmascarada. Como bom folhetim, Senhora do Destino apostou no drama para conquistar o telespectador que acompanhava a saga da retirante Maria do Carmo (Susana Vieira) em busca da filha desaparecida. Nazaré (Renata Sorrah), a sequestradora da ficção, caiu nas graças do público como uma das vilãs mais queridas da TV. A novela rendeu uma das maiores audiências da Globo em duas décadas.
Avenida Brasil (2012) – A primeira novela meme da história. Com uma trama que deslocou da Zona Sul do Rio para o subúrbio os conflitos por vingança, a novela fez um sucesso absurdo nas redes sócias e colocou todos os personagens no gosto do público. Exibida em mais de 120 países, fez o mundo torcer para que Nina (Débora Falabella) se vingasse de Carminha (Adriana Esteves).
Amor à Vida – Na trama de Walcyr Carrasco, alguns avanços sociais foram mostrados por meio do querido vilão Félix (Mateus Solano) que, no começo da trama, só queria a herança disputada com a filha preferida Paloma (Paolla Oliveira), se redime e se apaixona por Niko (Thiago Fragoso). O público vibrou com o primeiro beijo entre homens das novelas da Globo. Alguns conservadores reclamaram, mas a cena entrou para a história da TV.