Politicamente (in)corretos
Festival se encerrou com saldo de público menor em segundo dia e com pontas soltas em proposta de prezar a diversidade
Guilherme Araujo*
Deu-se de forma pouco calorosa, diferente do clima seco e
quente que podia se sentir do lado de fora do Centro Cultural Oscar Niemeyer, o
segundo dia de apresentações do Festival Vaca Amarela. Eram 17h40 e os shows
ainda não haviam começado, uma marca que já superava o recorde de atrasos da
noite anterior. Houve quem se sentisse mais confortável sentado em alguma das
mesas da praça de alimentação ou ainda na escadaria, onde era possível observar
de forma monótona, mas mais interessante, uma pipa vermelha dançando sob o céu
de setembro, que se coloria com o passar das horas de tons pastéis, decorrência
do desabrochar da noite. O policiamento,
que segundo a organização do evento, após uma série de assaltos ocorridos nas
imediações e dentro do próprio espaço onde as apresentações aconteciam, seria
reforçado, não foi visível em qualquer momento.
Sem grande público, as primeiras bandas da noite começaram a
subir ao palco com ausência de entusiasmo, claramente refletida no público, que
se dividia em várias tarefas, inclusive, a de se deitar no chão do espaço
enquanto a música rolava. Não foram capazes de atrair a atenção vocais
poderosos, vozes tipicamente roucas e não muito diversificadas que pela lógica,
seriam as responsáveis por fazer a crítica positiva no dia de metal. Cantado
ora em inglês, ora em português, o que se viu foram shows pouco empolgantes e
bastante homogeneizados.
A banda Lutre, que recentemente lançou seu primeiro disco, levou
ao palco um show que, assim como outros, seguiu um padrão e acabou tendo mais
faixas apresentadas do que o previsto – um aspecto positivo para os fãs, mas que
revelou uma desorganização ainda maior da organização. Letras medianamente
poéticas e temas cotidianos foram o que constituíram o fio condutor do show,
que de fato, atraiu o primeiro número considerável de pessoas a entrar no
Palácio da Música – algumas, até correndo. Todavia, grandes pausas entre uma
faixa e outra tiraram parte do brilho daquela que tinha tudo para ser a melhor
performance rock do line-up.
Pode-se constatar um contraste à noite anterior, comandada
por mulheres. Além do público, que era bastante distinto, foram vozes
masculinas as responsáveis por embalar os presentes. O público só tirou o pé do
chão quanto o rapper Djonga subiu ao palco e fez as paredes tremerem,
conduzindo os pagantes com sua música inteligente e séria sobre o extermínio da
juventude negra, a homofobia e a vida na periferia. Bastante simpático,
convidou 4 fãs a subirem ao palco em uma apresentação de freestyle, um dos
pontos altos da noite, ao passo que um deles se destacou e arrancou aplausos
frenéticos da medíocre platéia.
“Estou tentando entender o que é que tem em mim que tanto
incomoda você”. Foi com esses dizeres que às 23h45, após quase 2 horas de
atraso, as coisas mudaram da água para o vinho com a presença avassaladora de
Linn da Quebrada. Consagrada como a melhor apresentação do sábado, o pouco mais
de 1m60 da rapper paulista foi capaz de colocar as cerca de 500 pessoas
presentes para dançar. A reflexão proposta em cima de seu rap político,
carregado de protestos sociais e de críticas, no entanto, foi o que fez o
diferencial. Entrando no palco como se calculasse cada passo, a artista que vestia
um traje preto, casado a um adereço na cabeça e brincos de argola, trouxe na pauta uma das
parcelas sociais mais inviabilizadas: a juventude LGBT periférica, aspecto que
pode ser conferida no longa “Corpo Elétrico”, em cartaz nos cinemas.
Depois disso, somente o funk da irreverente MC Carol para
colocar o público em ritmo de animação. Com um show cheio de grandes sucessos,
mas que ainda assim pareceu morno se comparado a outros momentos do festival, a
empolgação a essa altura já parecia lá ser algo restrito.
Em meio ao clima de aparente cansaço, o tom objetivo de
várias canções entoadas nas duas noites de festa mostraram faces de uma
sociedade que sangra, mas que continua lutando por sua existência e por se firmar
em meio ao preconceito e frequentes discursos de ódio. Dono da proposta de ser
porta voz de várias bandeiras, o Vaca Amarela, entre trancos e barrancos se
consolidou em sua 16ª edição como um dos maiores festivais da região, o que não
significa que conseguiu cumprir com o que se propunha, desrespeitando atrações
e se fechando em um nicho de cegueira quanto à desorganização – talvez uma amostra
de que ainda falta um longo caminho a ser percorrido em busca do enaltecimento
à diversidade, que por enquanto, na prática, parece ser utopia.
** Guilherme Araujo é estagiário do jornal O HOJE, sob
supervisão de Naiara Gonçalves e foi convidado a participar do evento.
Foto: Guilherme Araujo