Portal viabiliza aquisição de livros para pessoas com deficiência visual
Colegas o ajudavam a escanear livros e corrigir os textos digitalizados para que pudessem ser lidos por softwares e ouvidos por Moraes
Helena Martins Repórter da Agência Brasil
Aos 12 anos, Leonardo Moraes perdeu a visão. Para seguir com os estudos, contou com o próprio esforço e a colaboração de estudantes e professores. Os mais sensíveis utilizavam barbantes, cola e o que mais estivesse à mão para tornar perceptíveis os elementos de tabelas e símbolos, inapreensíveis pelo braile, através do contraste tátil. Colegas o ajudavam a escanear livros e corrigir os textos digitalizados para que pudessem ser lidos por softwares e ouvidos por Moraes.
Com a digitalização, Leonardo acreditou que parte desse esforço poderia ser reduzido. Ao cursar a segunda graduação, em direito, passou a procurar e adquirir livros em formato acessível, isto é, que viabilizasse a leitura por meio de softwares voltados a esse fim. E, novamente, outras dificuldades vieram à tona. Desta vez, a posição de editoras, que negavam disponibilização do material ou vendiam livros com as folhas em formato de imagem, que não são legíveis, argumentando a defesa dos direitos autorais.
“Eu sempre questionava que direito era esse que se sobrepunha ao meu direito fundamental de ter acesso à leitura, ao conteúdo, à informação. A priori, havia um aparente conflito de direitos: o meu direito de ter acesso e o das editoras de resguardarem a propriedade intelectual. Mas era só aparente, porque as editoras poderiam criar mecanismos de segurança que garantissem a impossibilidade de cópias não legais e, ao mesmo tempo, me concedesse a possibilidade de um leitor de telas para que eu pudesse estudar normalmente”, explicou Leonardo Moraes.
Partindo da compreensão de que acessibilidade é uma obrigação, o que está ancorado na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil, ele ingressou na Justiça contra uma livraria e editora, em 2011. A ação resultou vitoriosa e inspirou a proposição de outras semelhantes pelo país. Simultaneamente, foi aprovada, em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão (nº 13.146/2015), que passou a valer em 2016, fixando que todos os livros publicados pelas editoras em formato físico também devem estar disponíveis em formato acessível.
Para viabilizar esse direito, foi criado, nesta semana, o Portal do Livro Acessível . A partir dele, a pessoa com deficiência pode requerer a disponibilização de obras que não estão disponíveis em formato acessível no mercado para 41 editoras detentoras de direitos de publicação. Cerca de 6 milhões de brasileiros devem ser beneficiados com a medida, que resultou de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado, em 2017, pelo Ministério Público Federal (MPF) e mais de 30 editoras de livros em todo o Brasil.
Para fazer a solicitação, é necessário preencher um cadastro simples e, depois, informar os dados da obra solicitada. A administração ficará a cargo do Sindicato Nacional de Editoras de Livros (Snel), que receberá os pedidos e os encaminhará às editoras. Por determinação do TAC, o atendimento das solicitações deve ocorrer em um prazo de cinco a 60 dias, a depender da quantidade de ilustrações da obra. O valor da obra acessível não poderá ser superior ao preço do volume impresso. Se o livro já estiver disponível em formato acessível, o portal informará o ISBN do título e as principais lojas virtuais que comercializam a obra.
Apenas obras que estejam fora do catálogo cujos direitos de exploração já não pertençam à editora ou as obras estrangeiras traduzidas para o português cujos contratos tenham sido firmados antes da vigência da Lei Brasileira de Inclusão, que possuam em tais contratos expressa vedação acerca da publicação ou transformação em formato acessível e também que o contrato preveja a aplicação de legislação estrangeira sobre o tema, conforme os termos do TAC.
Para Leonardo, a medida significa não apenas maior facilidade de acessar livros, mas um passo rumo à passagem de uma abordagem médica para as deficiências para um olhar social sobre a deficiência. “Toda essa demanda é de décadas atrás. O movimento de pessoas com deficiência vem lutando, no Brasil, pelo menos desde a década de 1970, brigando para que a acessibilidade fosse realmente um padrão, para que a deficiência seja um mero atributo da pessoa, como é ser alto e ser baixo, e pelo qual a sociedade também deve se responsabilizar. Não é que eu tenha que me virar com a minha deficiência. A sociedade, sim, tem que se adequar, criar os meios para que eu tenha acesso aos meios de comunicação, ao conhecimento e à cultura”, disse.